Revolução silenciosa: etanol de milho redefine pecuária verde
O Brasil vive uma transformação estrutural silenciosa, mas de impacto profundo na integração entre combustível, agricultura e pecuária. A ascensão do etanol de milho, especialmente o proveniente da segunda safra, somada ao aproveitamento dos grãos secos de destilaria na alimentação animal, está redefinindo a eficiência da produção nacional de energia renovável e proteína animal, com ganhos econômicos e ambientais expressivos. A trajetória do etanol de milho no Brasil é marcada por um crescimento impressionante nos últimos anos. De apenas 1,2 milhão de toneladas de milho processadas em 2018, o setor saltou para 19,6 milhões de toneladas em 2024. As projeções para 2034 indicam que a capacidade instalada poderá alcançar 56,6 milhões de toneladas por ano, resultando em uma produção estimada de 25 bilhões de litros de etanol, o que representa mais que o triplo dos atuais 8 bilhões de litros. Nessa rota exponencial, o avanço do etanol de milho gerou uma derivada transformadora para a pecuária brasileira: a expansão expressiva da oferta de grãos secos de destilaria. Para cada tonelada de milho processada, são gerados em média 420 litros de etanol e 300 quilos de grãos secos de destilaria, um produto de alto valor nutricional, com teor proteico entre 28% e 32%, significativamente superior aos 8% a 10% do milho integral. Essa oferta abundante e rica em proteína permite a formulação de dietas mais eficientes e econômicas, reduzindo custos de produção e intensificando a engorda do rebanho, especialmente bovino. Estudos da Embrapa Gado de Corte mostram que dietas com grãos secos de destilaria elevam o ganho diário dos bovinos para até 1,8 kg, ante 1,2 kg em sistemas tradicionais, reduzindo a idade média de abate de 36 para cerca de 24 meses. Além dos ganhos zootécnicos e econômicos, essa integração entre etanol de milho e pecuária redefine o papel da agropecuária na transição para uma economia verde: ao produzir mais carne em menos tempo e área, e ao promover o sequestro de carbono no solo por meio de pastagens bem manejadas, o setor transforma produtividade em ganho climático e ambiental. O resultado é um ciclo produtivo baseado em um sistema de integração lavoura-energia-pecuária-clima, em que cada tonelada de milho produzida no campo e processada na indústria gera simultaneamente energia limpa, proteína animal e desenvolvimento regional. Essa é a verdadeira revolução silenciosa que posiciona o Brasil como protagonista global na produção pecuária sustentável. Mais uma vez, o produtor rural brasileiro demonstra sua notável capacidade de fazer mais com menos. Nesse modelo, a antiga equação eldquo;combustível versus comidaerdquo; se inverte completamente, pois a produção de energia passa a impulsionar uma cadeia integrada que gera ainda mais alimento, renda e equilíbrio ambiental, uma solução climática e ambiental lucrativa. *Por Joaquim Leite, ex-ministro do Meio Ambiente