Mesmo com queda do petróleo, Petrobras mantém preço da gasolina e lucro de distribuidoras cresce
O preço da gasolina segue elevado no Brasil, apesar da queda no valor do petróleo no mercado internacional e da valorização do real frente ao dólar. Segundo dados do Boletim de Preços do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), referentes ao mês de setembro, a Petrobras manteve o preço da gasolina em suas refinarias 12% acima do Preço de Paridade de Importação (PPI) endash; índice que serve como referência internacional para o setor. Essa diferença foi a maior registrada ao longo do ano.
O cenário indica que haveria margem para uma nova redução no valor cobrado pela estatal, eldquo;especialmente da gasolina, sem comprometer de forma significativa seus resultados operacionaiserdquo;, segundo análise técnica do Ineep.
Mesmo diante desse espaço técnico, o preço médio da gasolina nos postos de combustível manteve-se em R$ 6,19 por litro em setembro emdash; patamar superior à média dos últimos cinco anos para o período. A região Norte continua com os preços mais altos do país. Em estados como Acre e Amazonas, os valores chegaram a R$ 7,53 e R$ 7,02, respectivamente.
Outro fator que contribui para a manutenção de preços elevados é o crescimento da margem de lucro das distribuidoras e revendedoras. O boletim mostra que essa margem passou de R$ 0,96 por litro em janeiro (15,5% do preço final) para R$ 1,30 em setembro (21%). A alta representa um crescimento de mais de 35% no ano.
Pressão por controle de preços reacende debate sobre distribuição
Diante do cenário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cobrado fiscalização mais efetiva. Em discurso realizado em julho, ele criticou a falta de repasse das reduções feitas pela Petrobras. eldquo;Não é possível que a Petrobras anuncie um desconto e esse desconto não chegue para o consumidorerdquo;, afirmou, destacando o papel de órgãos como a ANP, os Procons e o Cade.
A diferença entre os preços cobrados pela Petrobras e os valores pagos nas bombas também reacendeu o debate sobre o papel da estatal na distribuição. A empresa abandonou esse segmento após a privatização da BR Distribuidora (atualmente Vibra) em 2019, durante o governo Bolsonaro. Desde então, os elos intermediários da cadeia ampliaram sua margem de lucro.
Segundo o Ineep, o retorno da Petrobras à distribuição seria estratégico para eldquo;conter práticas abusivas nas margenserdquo; e enfrentar a infiltração de redes criminosas no setor. A proposta encontra apoio de entidades como a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que denuncia a existência de eldquo;uma anomalia no mercado de combustíveis do Brasilerdquo;.
Ainda que a Petrobras tenha negado oficialmente a existência de um plano para retomar a distribuição, o tema tem sido debatido internamente e conta com defensores dentro do Conselho de Administração da empresa.
Para além da gasolina, o boletim aponta que a margem de revenda também cresceu significativamente no gás de cozinha (GLP), ultrapassando os 51% do preço final do botijão. Já no caso do diesel, a margem oscilou ao longo do ano e fechou setembro em patamar semelhante ao de janeiro.
A combinação entre a resistência da Petrobras em reduzir preços e o aumento das margens privadas ajuda a explicar por que, mesmo com petróleo barato e dólar em queda, o combustível continua pesando no bolso do consumidor brasileiro.
Projeto quer obrigar postos a revelar lucros e pressionar redução nos preços
Diante da resistência dos postos em repassar as reduções feitas pela Petrobras nas refinarias, o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) protocolou no final de setembro um projeto de lei que busca dar mais transparência à formação de preços dos combustíveis. A proposta altera a Lei nº 12.741, que hoje exige apenas a discriminação dos tributos na nota fiscal, e obriga que a composição completa dos preços seja informada ao consumidor.
O texto exige que os estabelecimentos exibam, na nota fiscal, o preço cobrado pela Petrobras ou importador; o custo dos biocombustíveis adicionados (etanol anidro ou biodiesel); os tributos federais (Cide, PIS/Pasep e Cofins) e estaduais (ICMS); e as margens brutas de comercialização, incluindo os ganhos de distribuidoras e postos.
Na avaliação do parlamentar, a medida é uma forma de enfrentar o que chamou de eldquo;caixa-pretaerdquo; da cadeia de preços. eldquo;O consumidor paga o valor na bomba sem saber o que corresponde à margem de lucro ou ao custo de produçãoerdquo;, afirma Boulos no projeto. Para ele, a proposta também pode inibir aumentos abusivos e pressionar pela redução quando houver cortes anunciados nas refinarias.
Em caso de descumprimento, o projeto prevê sanções que vão de advertência e multa até a cassação da autorização de funcionamento pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A proposta também tem apoio dentro do governo, que vê na transparência uma forma de reduzir os efeitos das margens privadas no preço final dos combustíveis.
Norte sempre mais caro
A região Norte registrou mais uma vez, em setembro, os preços médios mais altos do país para todos os combustíveis: gasolina, diesel, gás de cozinha (GLP) e etanol. Segundo o boletim do Ineep, o litro da gasolina foi vendido a R$ 6,58, enquanto o botijão de gás de 13 kg chegou a R$ 121,87 emdash; ambos os valores acima das médias nacionais. O Amazonas lidera o ranking com R$ 7,02 por litro de gasolina e R$ 5,49 pelo litro do etanol, mesmo sendo um estado produtor de petróleo.
A margem de revenda na região também supera a média brasileira. No caso da gasolina, a margem foi de 21% no Norte, contra 19% no restante do país. No diesel, a diferença é ainda maior: 19% no Norte contra 16% na média nacional. Já no gás de cozinha, a margem alcançou 52% no Norte, três pontos percentuais acima da média nacional.
Especialistas atribuem os preços elevados a um conjunto de fatores estruturais: privatização da refinaria local, concentração de mercado, verticalização das operações e alta dependência da importação. A Refinaria Isaac Sabbá (Ream), localizada em Manaus, foi vendida ao Grupo Atem no fim de 2022. Desde então, sua operação caiu para apenas 20% da capacidade, e a empresa passou a importar derivados em vez de refinar petróleo nacional.
Embora a refinaria opere dentro da Zona Franca de Manaus e conte com benefícios fiscais, esses incentivos não têm sido repassados ao consumidor. O Ineep defende que o modelo atual emdash; baseado em importação e concentração privada emdash; amplia a desigualdade no acesso aos combustíveis e compromete a soberania energética da região.