Busca de petróleo na Margem Equatorial é 'legítima' e impacto pode ser 'minimizado&ap
Um parecer que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgou hoje sobre a questão do petróleo na Margem Equatorial do Brasil frustrou expectativas de que a entidade pudesse tomar partido de quem é contra abrir uma nova frente de exploração na região. Com uma abordagem não prescritiva, o grupo de trabalho criado para tratar do tema não afirma diretamente como acha que o governo deve proceder na questão, e adotou um tom que acomoda uma leitura favorável à abertura de novos poços.
O documento aponta vários problemas ambientais potenciais na perfuração de poços na região, mas afirma que a ambição de prospectar óleo na região precisa ser considerada por questões sociais. O impacto da atividade, dizem os autores, pode ser minimizado, mesmo num momento em que o mundo discute o fim dos combustíveis fósseis.
"A preocupação com uma transição energética justa, que considere, inclusive, o eventual uso do petróleo e gás da margem equatorial, é legítima, desde que esteja inserida em uma estratégia clara e articulada de controle das emissões de gases de efeito estufa", diz o documento.
A maior parte do relatório se debruça sobre questões de impacto local da exploração, apesar dereconhecer que o contexto mundial do projeto também é importante.
"A decisão de abrir uma nova fronteira exploratória de petróleo e gás na margem equatorial brasileira não pode ser analisada isoladamente, dissociada da ampla agenda global de enfrentamento das mudanças climáticas", afirma o documento de 28 páginas que cientistas veteranos redigiram como posicionamento da academia sobre o assunto.
Mas apesar de apontar que a agenda da eliminação do financiamento público aos combustíveis fósseis está atrasada e que uma nova frente de exploração complica esse objetivo, o documento afirma que pode haver espaço para acomodá-la em um projeto de desenvolvimento local.
O novo relatório é cauteloso quando trata da possibilidade de exploração de águas de até 2.000 metros de profundidade, a 500 km da foz do rio Amazonas, mas tampouco a descarta. O texto afirma que o emaranhado de correntes marítimas na região daria a um possível vazamento de óleo "uma dinâmica complexa, talvez imprevisível", mas que seus impactos "podem ser significativamente minimizados se houver proteção prévia dos ambientes mais sensíveis à contaminação".
A exploração de petróleo em águas profundas passou a gerar mais preocupação depois de 2010, quando a a plataforma americana Deepwater Horizon sofreu um vazamento com impactos graves no Golfo do México, a 1.500 metros de profundidaqde. Segundo o químico Jailson de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do relatório da ABC, o histórico do que aconteceu ali foi considerado na avaliação.
emdash; O acidente da Deepwater Horizon trouxe lições cruciais para exploração de petróleo em águas profundas emdash; afirma. emdash; O Brasil, ao longo das últimas décadas, desenvolveu tecnologias de prospecção de petróleo em águas profundas com altos padrões de segurança, sendo hoje referência internacional nesse tipo de operação. Na Margem Equatorial brasileira, a extensa Plataforma Continental Amazônica e a alta dinâmica oceânica, marcada por correntes intensas, macromarés e ventos fortes, indicam, segundo simulações, que eventuais vazamentos se dispersariam no mar antes de alcançar a costa, o que reforça a necessidade de ações preventivas eficazes e coordenadas.
Questionada sobre por que a ABC não emitiu um parecer mais prescritivo sobre o tema, a cientista Helena Nader, presidente da entidade, diz que o objetivo do grupo de trabalho era "fazer uma análise abrangente e informativa".
emdash; Seu objetivo foi o de contribuir para o entendimento qualificado de questões complexas e multifacetadas associadas à exploração de petróleo em águas profundas, inclusive transcendendo a Margem Equatorial emdash; afirmou.
e#39;Rumo ao século XXe#39;
O relatório da ABC foi criticado por alguns técnicos e cientistas ouvidos pelo GLOBO.
Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o documento é correto ao apontar medidas de cautela a e importância do monitoramento em eventuais projetos de exploração, mas possui omissões na análise do contexto global.
emdash; O documento não analisa se o país realmente precisa da expansão da exploração de petróleo e, além disso, se isso necessita ocorrer em novas fronteiras como a Margem Equatorial emdash; diz. emdash; O Brasil é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo e exporta pouco mais da metade do petróleo que produz. A expansão defendida pelo setor e por muitas autoridades do governo federal não visa a atender nossa demanda interna. Querem gerar caixa com a exportação.
Segundo Araújo, mesmo com medidas para abater emissões no processo de produção, o impacto de uma nova frente de exploração seria negativo para a agenda de descarbonização.
emdash; Em plena crise climática, esse é um caminho com olhar para o século passado emdash; diz. emdash; O petróleo exportado vai ser queimado em algum lugar, e é na queima que os combustíveis fósseis liberam a grande maioria dos gases de efeito estufa, não no processo produtivo. Não há como falar em transição energética com expansão da exploração de combustíveis fósseis.
Ambientalistas ouvidos pelo GLOBO dizem temer que o relatório da ABC seja instrumentalizado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para argumentar que a ciência está ao lado de quem defende a exploração da região. A decisão sobre liberar a explora~çao depende ainda de exigências do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que avalia impactos e riscos.
Outra voz crítica ao relatório da ABC foi o cientista Carlos Nobre, que é membro titular da academia, mas não integrou o grupo de trabalho que produziu o documento. Segundo ele, nenhuma política de transição energética tem como acomodar novos poços de petróleo.
emdash; Essa é uma coisa que, cientificamente, não tem justificativa emdash; afirma o pesquisador, presidente do Painel Científico da Amazônia.
Segundo ele, a ampliação local de projetos de combustíveis fósseis conflita diretamente com a agenda global de zerar emissões de gases do efeito estufa até 2050.
emdash; Se continuarmos a utilizar só as minas de carvão e os poços de petróleo e gás natural que já existem, mesmo sem abrir nenhum novo, nós chegaremos em 2050 emitindo 35% mais gases estufa do que emitimos hoje emdash; diz. emdash; E, se nós temos que parar de explorar as que já existem, é muito difícil a justificativa de novas explorações.
Andrade, coordenador do relatório da ABC, afirma que não era objetivo do grupo de trabalho discutir onde o petróleo produzido na Margem Equatorial seria consumido.
emdash; O relatório não discute as questões de mercado, mas a ciência envolvida no processo. emdash; disse. emdash; Com certeza, o papel do Brasil como produtor de petróleo deverá estar inserido na agenda global de enfrentamento às mudanças climáticas, que acreditamos que nosso país o está fazendo, seja por geração de energia por novos métodos (solar, eólica, biocombustíveis, hidroelétricas, entre outros) seja por aprimoramento dos processos de exploração de petróleo.