Ano:
Mês:
article

Governo se divide entre defesa da transição energética e exploração de petróleo

O governo enfrenta um dilema quando se trata da política energética. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apresenta como um líder contra a crise climática global, ao mesmo tempo, continua investindo e incentivando a exploração de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo. No início do mês, a Petrobras anunciou que descobriu petróleo em águas ultra profundas da Bacia Potiguar, no poço exploratório Anhangá. O reservatório fica próximo à divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, a cerca de 190 km de Fortaleza e 250 km de Natal, a 2.196 metros de profundidade, na Margem Equatorial brasileira. A Petrobras é a principal interessada no petróleo da região, que é uma área com mais de 2,2 mil km de litoral, e planeja investir US$ 7,5 bilhões em exploração até 2028, sendo US$ 3,1 bilhões na Margem Equatorial. Ao mesmo tempo, o governo faz a propaganda dos programas focados em transição energética. No final do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou três projetos de lei relacionados à transição ecológica, e o Planalto tem pressionado o Senado para que as propostas avancem. Os textos tratam dos combustíveis do futuro, da criação de um mercado de carbono e da regulamentação da exploração de energia eólica em alto mar. Quando o assunto é petróleo, o governo defende que investir na exploração pode financiar novas fontes de energia. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, tem comentado que a exploração na margem equatorial pode servir para impulsionar a economia regional e garantir recursos para a transição energética do Brasil. De acordo com um estudo realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), a produção de petróleo e gás na região tem o potencial de gerar 326 mil empregos formais no Brasil. Caso as expectativas em relação às reservas se confirmem, estima-se um acréscimo de R$ 65 bilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) da região anualmente. A transição energética é um processo gradual e complexo, onde o petróleo ainda tem relevância, na avaliação do advogado especializado em direito ambiental Alessandro Azzoni. Ele destaca que as reservas petrolíferas também são estratégicas para o Brasil, porque podem diminuir a dependência do país do mercado externo. eldquo;A transição energética ocorrerá gradualmente, não de forma imediata. A maioria das matrizes energéticas ainda depende de derivados de petróleo e combustíveis fósseis, o que indica um amplo mercado para esses recursos. Realizar essa transição é um processo lento e complexo de implementação. Portanto, considero que duas coisas são essenciais: o mundo ainda depende do consumo de combustíveis fósseis, e as reservas de petróleo brasileiras podem ajudar a reduzir nossa dependência externa.erdquo; - (ALESSANDRO AZZONI, ADVOGADO ESPECIALIZADO EM DIREITO AMBIENTAL) No entanto, o especialista ressalta a necessidade de novas tecnologias e uma licença ambiental rigorosa da Petrobras, além de uma fiscalização eficaz. Ele acredita que essa possibilidade da exploração existe, mas é fundamental que o governo exija que a estatal cumpra com essas exigências, e que os lucros gerados pela operação sejam investidos em energias renováveis. eldquo;É muito importante garantir uma forte condição ambiental para proteger especialmente uma região tão vasta como a Amazônia. Acredito que essa possibilidade [da exploração na Foz do Amazonas] existe, mas cabe ao governo impulsioná-la, exigindo que a Petrobras cumpra com esses requisitos. Além disso, os lucros gerados pela operação devem ser direcionados para investimentos em energias renováveiserdquo;, completa. João Victor Basilio de Barros, jurista especializado em projetos de infraestrutura, afirma que, na prática, o Brasil tem mantido um equilíbrio entre a exploração de petróleo e gás e o desenvolvimento de energias limpas ao longo das últimas décadas. Ele cita que enquanto se tornava um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o país também alcançou o sexto lugar no ranking global de capacidade instalada de energia. As instituições deveriam atuar de modo efetivo visando solucionar tal antagonismo quanto antes. A disputa é totalmente legítima, em razão dos aspectos ambientais, sociais e políticos envolvidos e, também, considerando a dinâmica inerente a um regime democrático. Contudo, não podemos desconsiderar que as discussões sobre a exploração de recursos naturais e o chamado elsquo;desenvolvimento sustentávelersquo; já estão bastante avançadas no país e no mundo. São inúmeros os exemplos de exploração e produção de petróleo e gás em territórios marítimos pelo planeta, tais como o Mar do Norte, o Golfo do México e até mesmo a Guiana, ao lado. - (JOÃO VICTOR BASILIO DE BARROS, JURISTA ESPECIALISTA EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA) O especialista opina que o governo e a Petrobras estão seguindo na direção certa ao adotar uma estratégia de transição energética, alinhada com o movimento global. Isso porque, segundo ele, é importante pontuar que as fontes de energia renovável ainda não conseguem suprir totalmente a demanda por combustíveis fósseis no Brasil, um grande exportador de petróleo bruto. eldquo;O Brasil é hoje um grande exportador de petróleo bruto, tendo o petróleo sido o 2º produto da pauta exportadora brasileira, em 2023, e, portanto, o país precisará de mais tempo para substituir sua necessidade atual por divisas internacionais e arrecadação de tributos e royalties, por exemplo, oriundas da produção de petróleo e gás natural. Não há, assim, uma contradição. Inclusive, é possível pensar em um futuro em que parte da cadeia produtiva e das infraestruturas construídas para projetos de petróleo e gás natural, tais como portos, estaleiros, dutos e indústrias, possam ser adaptadas para empreendimentos da transição energética, tais como biometano e eólicas offshoreerdquo;, completa. eldquo;Transição energética é urgenteerdquo; A ex-presidente do Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, destaca que a posição do governo brasileiro na área de energia contradiz a proposta de liderar em questões ambientais globalmente. eldquo;O governo fala bastante em transição energética, mas a prática nesse tema tem sido a priorização dos combustíveis fósseis. Não dá para ser um exemplo para o mundo em política ambiental e, ao mesmo tempo, membro da Opep+. O Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo, produzimos mais do que o suficiente para nossa demanda interna.erdquo; - (SUELY ARAÚJO, EX-PRESIDENTE DO IBAMA E COORDENADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA) A especialista aponta uma discrepância entre os cronogramas da exploração de petróleo e a urgência da transição para fontes de energia renovável. Mesmo que o Ibama conceda licenças para perfuração e a Petrobras encontre petróleo em quantidades viáveis, o processo de produção pode levar de 6 a 10 anos para começar. Além disso, muitos blocos na mesma bacia sedimentar estão em estágios iniciais ou ainda não foram leiloados, o que significa que a produção real está a uma década ou mais de distância. eldquo;Estamos falando em produção para daqui a 10 ou 15 anos, até mais, em alguns casos. Se tivermos de esperar até 2040 para financiar fontes renováveis no país, morreremos tostados ou cozidos. Para mim, esse discurso lembra o dos líderes que defendem financiar a guerra para conseguir a paz.erdquo; - (SUELY ARAÚJO, EX-PRESIDENTE DO IBAMA E COORDENADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA) Na mesma linha, o presidente do Observatório Internacional da Juventude (OIJ), Daniel Calarco, destaca que o dilema em torno da exploração de petróleo e os consequentes riscos ambientais são reflexos da complexidade das decisões governamentais, que devem conciliar interesses econômicos imediatos com a proteção ambiental a longo prazo. eldquo;O desafio vai além da técnica. Em um momento de arrochos financeiros e de crises no Palácio do Planalto, é normal que seus ministros lutem pelo espaço, protagonismo e recurso necessário para entregar nas suas pastas. De um lado, o Ministério de Minas e Energias não pode ignorar uma das maiores reservas de pressão encontradas na modernidade, enquanto a ministra Marina Silva, símbolo mundial da preservação ambiental, não pode aceitar que esse processo seja feito de qualquer maneira, colocando em risco todos os ganhos da sua política de proteção ambiental e de ação climáticaerdquo;, analisa. eldquo;É uma disputa grande, que cada vez se torna mais complexa, que recentemente envolveu, inclusive, a Advocacia-Geral da União e o presidente da Petrobras, que também figuram em polos opostos sobre como, quando e se o petróleo será explorado naquela regiãoerdquo;, conclui. Margem Equatorial pode ter reservas de 30 bilhões de barris A disputa também é grandiosa em números. Segundo projeções da Petrobras, a Margem Equatorial pode ter reservas de 30 bilhões de barris de petróleo. O que poderia elevar a produção em 1,106 mil barris por dia a partir de 2029. eldquo;Se todo esse petróleo for realmente queimado, estamos falando de uma emissão que vai variar entre 4 e 13 bilhões de toneladas de gás carbônico, o gás CO2, que é um dos principais gases de efeito estufa. É um volume que se assemelha com a quantidade de emissão de países como os Estados Unidos e a China, que emitem isso em um ano, sendo os maiores poluentes do mundoerdquo;, completa Calarco. eldquo;Quando falamos sobre transição energética, falamos também sobre o futuro do planeta. Não temos chances para errar. Então, é importante que o Brasil determine métodos, processos, fatores e autoridades que nós possamos cobrar e construir juntos um sistema que garanta que a nossa população e o nosso planeta estejam no centro da agenda de desenvolvimento.erdquo; - (DANIEL CALARCO, PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL DA JUVENTUDE)

article

Petróleo fecha em queda com menor tensão no Oriente Médio

O preço do petróleo caiu nesta segunda-feira, 22, conforme cresce a convicção no mercado de que as rusgas entre Irã e Israel não vão escalar para um conflito regional. Pela manhã, a commodity chegou a recuar perto de 1%, mas devolveu parte das perdas após o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmar que intensificará esforços militares contra o Hamas. O WTI para junho fechou em queda de 0,39% (US$ 0,32), a US$ 81,90 o barril, na New York Mercantile Exchange (Nymex), e o Brent para o mesmo mês recuou 0,33% (US$ 0,29), a US$ 87,00 o barril, na Intercontinental Exchange. O Rittersbuch escreve que a queda do petróleo vista recentemente também tem relação com uma deterioração na demanda, enquanto os estoques da commodity seguem fortemente abastecidos nos Estados Unidos, com número elevado de plataformas e poços de perfuração em atividade, o que não descarta até mesmo uma produção recorde no país. O RBC Capital, por sua vez, afirma que enquanto os conflitos forem entre Irã e Israel, os ganhos do petróleo tendem a ser limitados, porque a relação iraniana com outros players fundamentais ao setor endash; Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos endash; continua no mesmo patamar. Na Europa, o alto representante da União Europeia (UE), Josep Borrell, anunciou que o bloco chegou a um acordo político para expandir suas sanções aos drones do Irã, cobrindo mísseis e a sua potencial transferência para a Rússia. Diante da ainda existente chances de escalada de tensões, que poderia levar a uma nova rodada de valorização do petróleo, Louis Navellier, da gestora Navellier, recomendou, em nota a investidores, que as carteiras de seus clientes mantenham posições nos futuros da commodity. Além disso, o governo do Iraque alertou para novos atrasos na retomada das exportações de petróleo do Curdistão para a Turquia, através de um oleoduto que ficou fechado por mais de um ano. (Estadão Conteúdo)

article

Preço do etanol sobe em 18 estados e no Distrito Federal, mostra ANP

Os preços médios do etanol hidratado subiram em 18 estados e no Distrito Federal, caíram em seis e ficaram estáveis em outros dois estados na semana passada. Os dados são da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e foram compilados pelo AE-Taxas. Nos postos pesquisados pela ANP em todo o País, o preço médio do etanol subiu 1,87% ante a semana anterior, de R$ 3,74 para R$ 3,81 o litro. Em São Paulo, principal Estado produtor, consumidor e com mais postos avaliados, a cotação média subiu no período de R$ 3,57 para R$ 3,67. A maior alta percentual na semana, de 6,86%, foi registrada no Distrito Federal, onde o litro passou de R$ 3,79 para R$ 4,05. A maior queda percentual, de 2,65%, ocorreu no Rio Grande do Norte, com o litro passando de R$ 4,90 para R$ 4,77. O preço mínimo registrado na semana para o etanol em um posto foi de R$ 2,99 o litro, em São Paulo. O maior preço, de R$ 5,99, foi registrado no Rio Grande do Sul. Já o menor preço médio estadual, de R$ 3,60, foi observado em Mato Grosso, enquanto o maior preço médio foi registrado no Amapá, de R$ 4,99 o litro. Na comparação mensal, o preço médio do biocombustível no País subiu 6,72%. A maior alta no período, de 16,63%, foi registrada no Rio Grande do Norte. A maior queda no mês foi observada em Rondônia, de 1,04%.

article

Demanda por diesel sobe 8,7% no primeiro bimestre, aponta EPE

O primeiro bimestre de 2024 registrou uma demanda sazonal recorde de óleo diesel, informa a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em um estudo sobre as perspectivas para o mercado brasileiro de combustíveis no curto prazo. No entanto, o restante do semestre deve ser impactado por uma safra de 2023/24 menor do que a do ano passado, destaca o documento. De acordo com a EPE, o consumo de diesel em janeiro e fevereiro cresceu 8,7% em comparação com o mesmo período do ano passado, impulsionado pela expansão do volume exportado de soja. Mesmo com a previsão de uma safra menor da oleaginosa este ano, a estimativa é de que no primeiro semestre a demanda por óleo diesel suba 1,6% contra o primeiro semestre de 2023. Segundo o estudo, a demanda brasileira de combustíveis líquidos continuará crescendo em 2024. Estima-se um crescimento de 1,3%, ou 2 bilhões de litros, este ano, depois de três anos consecutivos crescendo mais de 4% ao ano, o que representa um incremento anual médio de 6,4 bilhões de litros entre 2021 e 2023. "O consumo dos combustíveis do ciclo Otto continua em patamares elevados, com o etanol hidratado aumentando a sua participação, devido à relação de preços mais favorável quando comparado com a gasolina C", informou a autarquia. Segundo a EPE, o crescimento da economia, a amenização dos efeitos do El Niño sobre o clima, a normalização da safra 2024/25, políticas de transferência de renda e programas governamentais, com destaque para o novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), deverão contribuir para o crescimento do consumo de combustíveis ao longo de 2024 e especialmente em 2025, ano em que se projeta um crescimento de 3,3%, ou 4,6 bilhões de litros, para a demanda brasileira de combustíveis líquidos. O consumo de diesel S10, o menos poluente, deve subir 3,8% este ano, para 44,3 bilhões de litros, dando um salto de 7,1% em 2025, para 47,4 bilhões de litros, de acordo com o estudo da EPE. Já o consumo de gasolina C emdash; comercializada nos postos de abastecimento já com a mistura de etanol emdash;, registrou queda de 8% no primeiro bimestre, quando comparada ao mesmo período do ano passado, depois do preço ter subido 3% em fevereiro contra janeiro deste ano. A expectativa, porém, é que a demanda pelo combustível suba 1,5% este ano, para 46,7 bilhões de litros, e 3,3% em 2025, para 48,3 bilhões de litros. Para o etanol hidratado, a previsão é de aumento de 2,2% no consumo este ano, para 18,4 bilhões de litros, com previsão de um crescimento de 6,6% em 2025, para 19,6 bilhões de litros. "A relação entre o preço do etanol hidratado e o preço da gasolina C está favorável ao biocombustível na maioria dos estados brasileiros, mesmo no período da entressafra, resultando no aumento do consumo, o que deve continuar ao longo de 2024", explicou a EPE.

article

Sindiposto Goiás comemora aprovação de projeto de lei da TCFA em Comissão da Câmara

O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Combustíveis no Estado de Goiás (SINDIPOSTO) e a Fecombustíveis informam que o projeto de lei 10273/2018, que altera a cobrança da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Há cerca de seis anos, as Entidades tem atuado pela aprovação deste projeto e a expectativa é de que, neste ano, a matéria seja finalizada com decisão favorável ao setor. Para os postos revendedores, a mudança da cobrança representa um passo rumo à evolução, já que se pretende implementar um critério mais justo e equilibrado, proporcional ao risco ambiental do negócio. Atualmente, pelo critério adotado, um posto de combustível de porte pequeno paga o mesmo valor de uma distribuidora ou refinaria de petróleo. O texto, de autoria do ex-deputado Jerônimo Goergen (PP/RS), também propõe restringir as circunstâncias em que a taxa pode ser cobrada, vinculando-a apenas à realização de atividades potencialmente poluentes ou que façam uso de recursos ambientais sujeitos a licenciamento ou autorização ambiental federal. Em relação à arrecadação de recursos, o projeto não afetará o compromisso ambiental do Ibama em relação às suas atividades, porém corrige distorções de cobranças exacerbadas para setores com menor potencial poluidor. A próxima etapa da votação deverá ser a avaliação pelo Senado e posteriormente retorna novamente para a Câmara. Tanto o Sindiposto como a Fecombustíveis acompanharão o tema e almeja, com a aprovação do projeto, que acabe, de uma vez por todas, com uma das maiores injustiças do setor.  

article

'As pessoas não acreditavam que gás de lixo dava dinheiro'

O grupo Urca foi fundado no Rio de Janeiro, em 2018, já focado em energia renovável. De lá para cá, deixou de ser regional para se tornar nacional. O motor da rápida expansão foram aquisições e investimentos na geração de biometano por meio de sua subsidiária Gás Verde. Foi uma aposta considerada ousada. Agora, o biometano é mais uma estrela na transição energética, mas até bem pouco tempo fazia o empresariado torcer o nariz emdash;no sentido exato da expressão. Produzido a partir da purificação do biogás extraído de lixo, de restos agropecuários e até de esgoto, o produto tem a mesma composição do gás natural fóssil, com a diferença de ser renovável. "Quando fechei os primeiros contratos, tinha gente que nem acreditava que saía gás do lixo ou que dava para ganhar dinheiro com aquilo", diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde e cofundador do grupo, com Maurício Carvalho e Pedro Assumpção. A empresa é líder no mercado brasileiro de biometano. A unidade em Seropédica, que recebe lixo da cidade do Rio de Janeiro, é a maior produtora desse gás na América Latina. Tem entre os seus clientes a rede de supermercado Dia, a fabricante global de vidros Saint-Gobain, o grupo Lersquo;Oréal de produtos de beleza e a fabricante de bebidas Ambev, que utiliza o produto na unidade de Cachoeira de Macacu (RJ), convertida na primeira cervejaria do Brasil movida 100% a biometano. "Nós começamos atendendo as indústrias, que eram o mercado mais óbvio. Mas o transporte de caminhão agora entrou forte na jogada." Em que momento perceberam que o biometano era um bom negócio? Eu trabalho com biometano desde 2012. Vinha atuando como executivo na área e decidi empreender em 2014. Quando fechei os primeiros contratos, tinha gente que nem acreditava que saía gás do lixo ou que dava para ganhar dinheiro com aquilo. Por isso, valia muito menos que o gás natural fóssil. A especificação da ANP [agência reguladora de combustíveis] para o produto veio em 2016. Isso estabeleceu a equivalência do biometano como o gás natural emdash;injetar no gasoduto e vender no posto de gasolina. Foi aí que começaram a perceber que aquele produto podia substituir o gás natural, mas com a grande vantagem de ser renovável. Hoje, as pessoas entendem que ele faz parte da economia circular e é sustentável. Passou a ser um produto que traz não apenas uma solução de energia limpa para as empresas na transição, mas que também valoriza quem cuida dos resíduos de forma adequada, pois eleva a receita de quem investe em aterros sanitários ou tratamento de restos em áreas rurais. O biometano tem um valor agregado muito maior porque é um combustível. Você pode levar para uma indústria, um carro, um veículo pesado. É cotado em real e não sofre a variação de um barril de petróleo, com guerra e câmbio. Tem previsibilidade. Qual é o preço do biometano? Tem um prêmio? Hoje custa de 25% a 30% mais que o gás natural, mas eu não chamaria essa diferença de prêmio. Vou tentar ser didático. As grandes indústrias hoje têm meta no que se refere à pegada de carbono. Umas precisam zerar as emissões em 2030, outras em 2050. O fato é que precisam reduzir, e agressivamente. Para chegar lá, no prazo em que se comprometeram, devem descarbonizar a produção. No orçamento delas, estão incluídos inúmeros custos adicionais, como compra de crédito de carbono, uso de carro elétrico, adoção de energia renovável. Com o biometano, podem reduzir a pegada com o custo que já teriam [para a produção]. Então, eu não diria que é um bônus. É mais barato do que todas as soluções que elas haviam considerado. Isso aparece na conta. O biometano é equivalente ao gás natural, que hoje é o melhor produto para queima em caldeiras e fornos, mas com o atributo ambiental emdash;evita a pegada de carbono e ainda ajuda a bater meta de descarbonização. É verdade que a demanda hoje por biometano é muito maior que a oferta? É isso mesmo. Nós começamos atendendo as indústrias, que era o mercado mais óbvio. Mas o transporte de caminhão agora entrou forte na jogada. Governos federal e estaduais, montadoras, transportadores entenderam que ele é mais barato que o diesel, e sem aquela oscilação cambial, e que sua produção gera investimento, emprego e renda aqui no Brasil. O mais importante nessa questão: as empresas precisam atender o escopo três [categoria de emissões para operações comerciais, prevista no protocolo que contabiliza gases de efeito estufa para promover a sua redução]. Basicamente, para simplificar o entendimento, o escopo três trata de quanto a empresa emite para fora de sua porta. O transporte é o grande vilão aí, porque todo o transporte pesado usa diesel no Brasil. Quando você leva o biometano para o frete, passa a ter uma pegada de carbono negativa. Explico. Ao trocar diesel por biometano, há uma redução de 91% nas emissões. No entanto, como isso também evita a produção de mais combustível fóssil, a pegada fica negativa, o que contribui com uma luta que é global. Afinal, todo mundo quer ter mais renovável para ter menos fóssil. Um estudo da Abiogás, nossa associação, mostra que o Brasil tem potencial para produzir 120 milhões de metros cúbicos por dia de biometano, entre agro e aterros. A gente deve ter hoje pouco mais de 500 mil. O descolamento vem porque a produção ainda é pequena em relação à demanda, que é crescente. Faltam investimentos ou empreendedores? Não é isso. Tem um gap. Um projeto como o nosso de biometano em aterro demora de um ano e meio a dois anos para ser implementado. Entre fechar o acordo e entregar para o cliente são dois anos. Nós estamos neste momento desenvolvendo dez plantas de biometano. Só daqui a um ano e meio vão operar. Vai ter uma escadinha. A cada ano sobe um degrau na oferta. Essas dez unidades estão focadas em quê? Pergunto porque se fala muito no potencial do agro, mas a gente vê o avanço mais rápido de produção em aterro sanitário. Focamos em aterro porque é a fruta mais baixa no pé. Os aterros invariavelmente estão em grandes centros urbanos, ou seja, próximos ao mercado consumidor. A empresa sente falta de uma rede de gasodutos? A gente não tem preconceito nem com gasoduto, GNL [Gás Natural Liquefeito] ou GNC [Gás Natural Comprimido]. Usamos todas as alternativas disponíveis. Pergunto porque existe a discussão sobre a necessidade de implementação de uma rede de gasodutos, incluindo para atender pré-sal e gás verde. Obviamente, a rede de gasodutos do Brasil é muito pequena, ainda mais quando comparada a de outros países. Argentina é menor e tem uma rede maior. Nem tem como comparar com a dos Estados Unidos. Certamente, um país com a vocação do Brasil para a produção de gás precisava de mais. A produção do pré-sal está concentrada na costa, e os gasodutos também. Não há como beneficiar quem está no centro do país. O agro é nosso principal gerador de receita e de infraestrutura. Fala-se muito em rodovia, ferrovia, que seriam necessárias, sim, mas também precisamos pensar no acesso ao gás natural e ao biometano. Hoje, para nós, o gasoduto não faz falta. Mas, para o Brasil, como estratégia de crescimento, o que nos afeta, é importante ampliar a rede de gasoduto, chegando ao Centro-Oeste, oeste de São Paulo, Triângulo Mineiro, Goiás, centros de produção de alimentos, produtos industriais, que demandam gás, e também áreas com grande potencial de biometano. Considero estratégica essa descentralização de produção, que pode ser feita pelo agro, até porque o agro é um grande consumidor de diesel. Seria um grande impulso, para a descarbonização, a economia circular e o autoconsumo. Seria possível, por exemplo, criar corredores de postos de combustíveis de biometano no interior. Tramita no Congresso o PL dos combustíveis do futuro, e o biometano é um deles. O sr. tem algum receio em relação à proposta em discussão? Alguns temem uma ação da indústria petrolífera para que o PL, no fim, não contribua para o avanço do biometano. Energia solar é o que é hoje porque foram feitos leilões públicos para viabilizar a expansão da tecnologia. Eólica idem. No caso do biodiesel há obrigação de mistura. Não faz sentido o debate para rebater um combustível 100% renovável, atrelado à inflação em real, que é intercambiável com o gás natural, compete de igual para igual com o diesel, pode ser produzido de forma descentralizada, gerando emprego, impostos, e ainda substituir combustível importado. Não posso levar a sério quem achar que o biometano não faz sentido. O gás natural já é combustível de transição energética. O PL trata de várias soluções que podem incentivar o Brasil na produção de combustíveis renováveis. Pode contribuir na implementação, ainda que gradual, do biometano como produto para a descarbonização. Se você pegar um caminhão a diesel e converter para gás natural, reduz as emissões. Se injetar um pouco de biometano, reduz mais ainda. É um baita ganho para todo mundo.

Como posso te ajudar?