Inflação corrói a renda das famílias
Oaumento recente de preços dos alimentos e de outros itens, como transporte, educação, saúde e cuidados pessoais, tem corroído o orçamento das famílias e reforçado a sensação de perda do poder de compra. As classes D e E são as mais afetadas pela inflação elevada. Em dezembro, segundo a consultoria Tendências, sobravam só R$ 20,60 para famílias de menor renda, após os gastos com itens básicos, ante uma média de R$ 41,90 nos demais segmentos da população. Pelos cálculos da empresa, a alta média de preços dos itens essenciais foi de 5,8% em 2024, superando a inflação oficial, apurada pelo IBGE, de 4,8%.
Nos últimos meses, Karolina Nonato precisou reorganizar o seu orçamento doméstico: o carro deixou de fazer parte do dia a dia devido ao alto preço do combustível, a pesquisa em busca da comida mais barata aumentou e ela e a filha de 17 anos começaram a priorizar atividades gratuitas aos fins de semana. eldquo;Houve muitos ajusteserdquo;, conta a fisioterapeuta de 38 anos que vive no Ipiranga, zona sul de São Paulo, e trabalha com processos de qualidade no setor de tecnologia. eldquo;Claramente, houve um impacto negativo dos preços. Me atrapalha muito ter de direcionar um valor a mais para fazer a compra do mês, além do benefício que a empresa me dá, que já é bom. Não é que eu compre muita coisa. É realmente o básico.erdquo;
A sensação de perda do poder de compra não é exclusiva dela. A inflação elevada tem corroído o orçamento das famílias brasileiras e preocupado o governo, cuja aprovação medida pelo Instituto Datafolha caiu para 24%, a pior marca de todos os mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, a renda disponível diminuiu e inverteu a melhora observada em 2023.
Sob pressão
Levantamento indica que maior parte dos itens essenciais subiu em 2024, comprometendo a renda
Em dezembro de 2024, de cada R$ 100 recebidos, as famílias tinham disponíveis R$ 41,90 após gastar com itens essenciais, de acordo com um levantamento realizado pela consultoria Tendências. Em 2023, o valor que sobrava era de R$ 42,40.
O tamanho da renda disponível é calculado pela consultoria com base numa cesta básica de consumo, que acompanha a inflação de itens considerados essenciais, como alimentação no domicílio, saúde, cuidados pessoais, transporte e educação.
eldquo;Todos os itens essenciais, principalmente os mais pesados, pressionaram muito em 2024erdquo;, diz Isabela Tavares, economista da Tendências.
Nos cálculos da consultoria, a inflação dos itens essenciais encerrou o ano passado em 5,8%, acima dos 4,8% apurados no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). eldquo;É uma pressão bem forte.erdquo;
Em 2023, o orçamento das famílias ganhou algum fôlego devido ao impulso que recebeu em 2022, quando houve a redução do preço dos combustíveis no governo Jair Bolsonaro, em meio ao acirrado processo eleitoral. Em dezembro daquele ano, a renda disponível das famílias era de 42,4% endash; ou seja, de cada R$ 100 recebidos, sobravam R$ 42,40.
eldquo;Agora, para 2025, acreditamos em uma estabilidade. A inflação de alguns itens essenciais deve desacelerar, como na parte de alimentos, mas ainda temos itens que pressionam bastanteerdquo;, diz Isabela. eldquo;E mesmo a alimentação segue num patamar ainda acima do IPCA geral. A inflação de itens essenciais deve fechar 2025 nos mesmos 5,8% de 2024. Por isso, a renda disponível deve continuar nesses patamares mais baixos.erdquo; ebull;
A deterioração do orçamento das famílias brasileiras é ainda mais gritante quando se analisa em detalhe a renda disponível por classe social. Com renda domiciliar de R$ 3,4 mil, os brasileiros das classes D e E têm uma folga no orçamento de apenas R$ 20,6 de cada R$ 100 recebidos, segundo a análise realizada pela consultoria Tendências. No outro extremo, os brasileiros da classe A (com renda domiciliar de R$ 25,2 mil) conseguem uma sobra de R$ 51,5.
eldquo;A população de baixa renda tem de repensar suas compras, mudar a cesta de consumo, para poder caber dentro do seu orçamentoerdquo;, afirma Anna Carolina Gouveia, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre) e responsável pela sondagem do consumidor.
As pesquisas do Ibre também têm servido de termômetro para capturar essa deterioração no orçamento das famílias. O Índice de Confiança do Consumidor recuou pelo segundo mês seguido, para 86,2 pontos em janeiro, e chegou ao menor nível desde fevereiro de 2023 (85,7 pontos). Em dezembro e janeiro, a queda acumulada foi de oito pontos.
eldquo;Esses focos de inflação colocam o consumidor sob alertaerdquo;, afirma Anna Carolina. eldquo;Além disso, houve o aumento da taxa de juros, o que vai complicar ainda mais o pagamento de dívidas. Tudo isso faz com que os consumidores fiquem mais pessimistas.erdquo;
REFORÇO. O Orçamento corroído pela inflação leva os consumidores a buscar formas alternativas para cobrir as despesas. A fisioterapeuta Karoline Nonato, por exemplo, mora em uma casa que é dos pais e, com o orçamento apertado, só conseguiu voltar a cursar uma faculdade endash; agora de administração endash; porque recebe uma ajuda para pagar a mensalidade. eldquo;O mais difícil é manter esse fluxo de dinheiro para continuar pagando as mensalidadeserdquo;, diz.
Ela se beneficia de uma parceria que a faculdade firmou com a fintech Yolo Bank, criada em 2023. Por meio do uso da inteligência artificial, a empresa consegue prever a inadimplência e, dessa forma, oferece um desconto mensal para o estudante que aceita ser cliente do banco endash; a receita da companhia é obtida com parte da redução da inadimplência das faculdades.
Com foco na população das classes B, C e D, a Yolo Bank tem 700 mil estudantes como clientes e acordo com 76 faculdades. eldquo;Vemos espaço para chegar a 1,5 milhão de estudantes e a 100 universidades no segundo trimestre de 2026erdquo;, afirma Mauro Yolo, CEO e fundador da fintech.
PESSIMISMO MAIOR. De qualquer forma, há hoje um pessimismo maior tanto em relação ao cenário atual quanto às expectativas futuras para a economia brasileira. Com a inflação em alta, no final de janeiro o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu um aumento de um ponto porcentual na taxa básica de juros, para 13,25% no mês passado. Na próxima reunião, em março, a expectativa é de que o Banco Central promova uma nova alta de mesma magnitude. No relatório Focus, elaborado semanalmente pelo BC, os analistas consultados projetam que a Selic deve terminar este ano em 15%.
eldquo;O que tem pegado para o consumidor é a inflação e a taxa de juros muito alta. Os juros não vão ser resolvidos de uma hora para outra. É um problema de mais longo prazoerdquo;, afirma Anna Carolina. eldquo;Para ter uma retomada da confiança, é necessária uma melhora nos preços e a manutenção de uma situação favorável no mercado de trabalho.erdquo; ebull;