Não há bala de prata para a descarbonização, diz presidente da fabricante de motores Cummins
A Cummins não se define mais como uma fabricante de motores e equipamentos para veículos a diesel. No texto de apresentação, a empresa é descrita como "líder global em energia", destacando investimentos em biocombustíveis e hidrogênio. O reconhecimento no mercado nacional, contudo, foi construído ao longo de cinco décadas sobre os pilares do combustível de origem fóssil. Adriano Rishi, presidente da Cummins Brasil e líder da unidade de motores na América Latina, fala das estratégias da empresa e do futuro do setor em meio à transição energética. Leia a entrevista abaixo. A Cummins é conhecida pelos seus motores a diesel. Agora, a empresa apresenta um portfólio com foco em biocombustíveis e hidrogênio. Como está ocorrendo essa transição? Há pouco mais de uma década, temos investido fortemente na jornada de descarbonização. Dentro dessa jornada, está muito claro para nós que não existe uma bala de prata, não há uma solução única. É algo global? Sim. Desenvolvemos agora uma plataforma chamada Helm, que significa High Efficiency, Low Emissions [alta eficiência com baixo nível de emissões]. São motores capazes de atuar com múltiplos tipos de combustíveis. Hoje, se eu parto do diesel para operar com gás, tenho que fazer uma série de transformações no motor, enquanto o novo é preconcebido para isso. São módulos, então funciona como um Lego, que vai sendo composto. Dessa forma, um mesmo motor poderia rodar no ciclo diesel, mas, mudando um cabeçote e um componente da injeção eletrônica, por exemplo, seria possível trabalhar com um biocombustível, como o etanol? É isso, e sem comprometer a eficiência, o que é um ponto extremamente importante. De maneira simples: dividimos o motor em dois segmentos, e a parte de baixo independe do tipo de combustível, é o recipiente que faz a transmissão da força. É a parte de cima que tem que lidar com os diferentes combustíveis. Mas não dá para ser como um pato, que voa, nada e anda, mas não faz nada direito. É preciso fazer motores de alta eficiência, com baixíssimos níveis de emissões. E com a possibilidade de consumir etanol. O etanol é uma particularidade do Brasil. Não temos temperaturas extremamente baixas, por isso é uma opção viável, ainda mais com a infraestrutura disponível. Temos também uma plataforma múltipla. É possível gerar biometano a partir dos aterros sanitários, usando o gás como exemplo. Essa circularidade terá um impacto positivo na redução de emissões. O Brasil teve várias experiências com caminhões movidos a etanol, mas o segmento de veículos pesados abandonou a ideia por questões diversas, como a baixa autonomia. A Cummins considera que, agora, esse biocombustível será viável no setor de transporte de cargas? Para veículos pesados, não. O diesel ainda é a maneira mais eficiente de se transportar cargas comerciais. Mas temos que considerar alguns nichos. Perto de usinas de cana, por exemplo, o caminhão a etanol faz sentido. No caso dos veículos comerciais leves, ao se considerar as emissões de CO2 no ciclo completo em comparação aos modelos a bateria, o etanol também faz sentido. A chinesa GWM tem trabalhado para a adoção do hidrogênio no transporte de cargas, e já apresentou propostas em São Paulo. O senhor acredita que haverá aceleração desse mercado? Acredito que não. Ainda não chegamos em um equilíbrio do custo de tecnologia que faça sentido econômico na operação do setor automotivo. Mas acredito, sim, que devemos seguir investindo. Não temos dúvidas de que esse é o destino final, mas tem alguns destinos intermediários que precisamos percorrer. Há discussões sobre os combustíveis que poderiam substituir o diesel nos caminhões. Um deles é o HVO [sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado], que parece menos problemático que o biodiesel. É possível produzi-lo em larga escala? O HVO, ou diesel verde, é uma excelente alternativa técnica ao diesel fóssil, devido à semelhança de suas moléculas e ao fato de ser uma opção mais sustentável. No entanto, no Brasil, para que seu uso seja economicamente viável, será necessário apoio governamental, como aconteceu com o biodiesel. Inicialmente, o biodiesel era mais caro que o diesel fóssil, mas com políticas de incentivo, ganho de escala e maior competitividade, seu custo foi reduzido ao longo do tempo. Em termos de emissões de poluentes, o HVO é mais vantajoso em comparação ao biodiesel e ao diesel convencional? Seria [mais vantajoso] principalmente do ponto de vista de material particulado. O Programa Nacional de Diesel Verde, regulamentado pela ANP, estabelece uma participação mínima obrigatória de até 3% de HVO no diesel vendido ao consumidor final. Esse limite pode ser superado de forma voluntária, desde que seja comunicado à ANP. A ideia é fomentar a produção e comercialização desse combustível no Brasil, mas ainda estamos em um estágio inicial de implementação. Ainda é difícil estimar o preço do HVO no Brasil, já que não há produção local significativa. Embora o mercado internacional ofereça uma referência, com o HVO custando de 30% a 40% a mais que o diesel fóssil em mercados como a Europa e os EUA, os desafios locais, como também a falta de infraestrutura e cadeia produtiva, tornam qualquer estimativa incerta.