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O Brasil vive uma década perdida de investimentos, com dificuldades para elevar o estoque de capital da economia, essencial para iniciar um novo ciclo de desenvolvimento. O investimento mal cobre as perdas com a depreciação, como é chamado o desgaste de máquinas, equipamentos e da infraestrutura ao longo de seu uso.

O cenário aparece em dados atualizados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) consolidados no Indicador Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A atualização mostra que depois de uma recuperação em 2021, o investimento líquido, aquele que já desconta a perda da depreciação, voltou a ser negativo. Houve queda em 2022, em relação ao ano anterior, e retratação até fevereiro de 2023, na comparação mensal. Ou seja, o investimento no período não foi suficiente para reunir um estoque de capital físico adequado.

Esse tipo de capital é o conjunto de recursos necessários para impulsionar a capacidade produtiva do país. Inclui, por exemplo, o maquinário das fábricas, a rede de saneamento, os galpões das redes de varejo, os prédios de escritório, o sistema de telecom, rodovias com seus elevados e suas pontes.

Assim, em uma analogia com um maratonista, quando a economia tem estoque de capital físico negativo equivale a dizer que está perdendo musculatura.

Em março, o investimento passou a cobrir a depreciação e a ficar positivo. No entanto, arrefeceu no segundo semestre. Em setembro, o investimento líquido registrou alta de apenas 0,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Os números foram atualizados às vésperas do Ano-Novo, aprimorando a leitura sobre os diferentes setores até 2021 e a avaliação do quadro geral até setembro do ano passado.

Análises preliminares já constam de nota técnica publicada no Carta Conjuntura do Ipea, assinada pelos economistas José Ronaldo de Souza Júnior e Felipe Moraes Cornelio, da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas.

"Não é fácil estimar estoque de capital porque os elementos são muitos e variados: caminhão, fábrica de doces e até touro reprodutor são ativos do estoque de capital da economia, com diferentes taxas de depreciação, e a estimativa do Ipea é a melhor disponível", afirma Bráulio Borges, economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA e pesquisador-associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Borges já fez análises com os dados atualizados.

Para refinar a leitura, preferiu excluir de suas contas as distorções que ocorreram na contabilização das plataformas de petróleo ao longo da última década.

Borges lembra que, de 2013 a 2017, por causa dos benefícios do Repetro, um regime de tributação, plataformas que operavam no Brasil foram registradas como exportação, levando os dados do IBGE (base do Ipea) a subestimar o investimento nacional.

As regras do Repetro foram alteradas em 2018, e tornou-se vantagem internalizar as mesmas plataformas, gerando o efeito contábil inverso emdash;a superestimação em R$ 150 bilhões de investimentos antigos como se fossem novos até 2022.

Depois de revisar esses efeitos, ele traçou duas séries. Uma considera o estoque total do capital físico, a outra exclui a construção residencial, com a proposta de dar uma visão mais refinada da capacidade produtiva.

Apesar de a construção residencial mobilizar considerável volume de insumos e número de trabalhadores durante a obra e parte das moradias depois ser alugada, o seu efeito dominó de ganhos para a produção de bens e serviços de fato é pequeno.

"Entre 1995 e 2014, o estoque de capital físico no Brasil cresceu em média 2,5% ao ano", afirma Borges.

"No entanto, de 2015 para cá está zerado e chega a cair 3,5% quando excluímos a construção residencial emdash;ou seja, na melhor das hipóteses, o estoque de capital físico total da economia anda de lado."

Borges também calculou o efeito per capita desses resultados, considerando a população de 18 a 65 anos, em idade de trabalhar. Na série com todos os setores houve uma queda de 7% no estoque de capital per capita. Excluindo o efeito das residências, a retração vai a 10%.

"Ao fazer essa relação, é possível ver se o país está melhorando a estrutura física para os trabalhadores, e, pelo que identificamos, não está ", diz.

"O estoque de capital físico por trabalhador vem encolhendo, e encolhendo bastante, logo, fica difícil imaginar que vamos conseguir aumentar a produtividade do trabalho."

Souza Júnior, do Ipea, lembra que a recuperação dos investimentos e do estoque de capital a partir da recessão tem sido lenta, em parte porque foi muito profunda e com novos reveses nos anos seguintes.

"Foi uma queda tão acentuada que, pela primeira vez na história, os investimentos líquidos ficaram negativos emdash;ou seja, houve queda de estoque de capital, que era algo inédito na nossa série que começa em 1947", afirma.

Apenas em 2019 o Brasil voltou a registrar investimento líquido positivo, mas veio a pandemia e retornou ao terreno negativo em 2020.

A atualização dos dados mostra que a recuperação em 2021 foi forte, apesar de ocorrer sobre uma base ruim.

Naquele ano, o investimento líquido totalizou R$ 70,5 bilhões, propiciando um avanço de 0,7% no estoque total de capital na economia. Um investimento positivo é sempre importante, mas o valor é pequeno para o porte de um país como o Brasil e distante do pico desses aportes, ocorrido em 2011, quando o investimento líquido encostou em R$ 310 bilhões.

"A gente vem tendo essa oscilação, com um crescimento fraco desse estoque de capital, com um investimento abaixo do que a gente precisa para aumentar a nossa capacidade instalada. Isso fica bastante claro nos números", explica Souza.

Os dados desagregados por setores em 2021 mostram que o segmento de máquinas e equipamentos se mantém como o mais combalido. Numa crise particular, muito associada à da indústria, os investimentos não param de recuar. O estoque de capital encolheu -0,68% naquele ano depois de retroceder 1,62% em 2020 e ficar zerado em 2019.

No extremo oposto, está o segmento chamado de "outros", que inclui uma série de atividades associadas ao agronegócio, como laranja, café e outras culturas perenes, além de óleo e gás. O estoque de capital teve a expansão mais expressiva: 4,47% em 2021.

Não existe consenso entre os especialistas sobre o que leva o Brasil a protelar investimentos produtivos.

Coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre, o economista Claudio Considera acompanha a retração dos investimentos líquidos e do estoque de capital e atribui o fenômeno à falta de confiança em relação ao futuro.

"A economia tem acumulado menos capital ano a ano, reduzindo o potencial da produção, e, na minha avaliação, isso vem da falta de confiança do empresariado para investir diante de várias incertezas", afirma.

Considera atribui a oscilação em 2023 à demora na tramitação da reforma tributária, que pode afetar 2024.

"Agora, ela saiu, e foi um passo institucional importante, mas será preciso regulamentar, e os empresários ainda têm essa incerteza sobre quanto do lucro vai ser tributado."

Em retrospecto, Souza Júnior lembra que a recessão foi acompanhada de aumento no endividamento e queda de rentabilidade das empresas, o que inibe investimento. Mas destaca que os resultados de 2021 são uma sinalização de que as reformas e o quadro fiscal mais robusto podem contribuir para elevar os investimentos.

Ele usa como exemplo o resultado da infraestrutura, cujo estoque de capital teve ala de 0,98%. "Parece haver um fôlego nos investimentos de infraestrutura", afirma Souza Júnior.

"Houve recuperação mesmo em 2020, no período mais intenso da Covid-19, e continuou crescendo em 2021. A gente ainda não tem os números de 2022, mas, até onde a gente vê, está seguindo a trajetória positiva, respondendo, na minha avaliação, ao cenário de reformas e estímulos a investimentos privados."

Na mesma linha, Samuel Pessôa, sócio-diretor do Julius Baer Family Office e colunista da Folha, defende que avançar nas reformas e estabilizar as contas públicas vão sedimentar a confiança empresarial e que a demora na recuperação dos investimentos estaria associada à ressaca gerada pelos excessos de investimento público nos anos anteriores à crise.

"A gente viveu um surto de investimentos liderados pelo Estado de 2007 a 2014, ele foi mal feito e maturou mal, porque o Estado brasileiro não sabe liderar investimento emdash;é mal desenhado, leva a desperdício e até a corrupção", diz.

"Esse surto levou a uma sobreacumulação de capital, com baixa produtividade, gerando a crise de 2014 a 2016, elevando o endividamento e reduzindo a rentabilidade das empresas. A gente ainda está limpando essa coisa, pagando o preço do passado."

Borges tem avaliação diferente. A paradeira no estoque de capital ao longo de uma década, ao contrário, colocaria em xeque a ideia de que reformas e incentivos ao setor privado são suficientes para promover o crescimento econômico.

"Trabalhos recentes, super-robustos, mostram que investimento público e privado são complementares, não substitutos", afirma. "Não estou dizendo que seja a única explicação, mas chama a atenção o fato de o investimento líquido ter ficado negativo várias vezes nos anos no momento em que o investimento público teve forte retração."

Fonte/Veículo: Folha de S.Paulo

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