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A segurança do abastecimento de energia da União Europeia (UE) parece mais instável a cada dia. Metade do diesel e 40% do gás natural consumidos pelo continente são provenientes da Rússia. As sanções impostas ao país começam a retirar suprimento da UE, já obrigada a substituir 500 mil barris diários de petróleo russo.

Esse acréscimo na demanda, que já seria suficiente para aumentar os preços em um cenário de normalidade de oferta, torna-se ainda mais crítico por emergir após o fechamento de refinarias por conta da pandemia de covid-19, como nos casos do Gunvor Group, na Bélgica, e da Shell PLC, nos EUA.

De outra parte, o conjunto de sanções da Rússia contra empresas de energia atuantes na UE acrescenta risco a um quadro já instável e reduz a flexibilidade dos países europeus de importarem gás por rotas que não passem pela Ucrânia.

Os recursos energéticos parecem se afirmar como ferramenta geopolítica estratégica na concretização de objetivos de política externa, especialmente na relação entre a Rússia e a Europa, que importou 100 bilhões de euros em energia russa ano passado.

Escassez de diesel

Mesmo apresentando uma escalada de preços, o diesel está escasso no mundo todo. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), os chamados destilados médios (querosene de aviação e diesel), após sete trimestres consecutivos de diminuição dos estoques, estão no menor nível desde 2008. A carência começa a prejudicar a mobilidade em países africanos e asiáticos, como Iêmen e Sri Lanka.

Nos EUA, os estoques de diesel atingiram o menor patamar em 17 anos, e o preço do combustível alcançou o recorde histórico de US$ 5,50 o galão, com aumento de 56% apenas em 2022.

Na Europa, onde a frota automotiva tem uma fatia maior de veículos movidos a diesel, os preços na bomba saltaram 88% quando comparados ao ano passado.

As importações de diesel para a Europa provenientes da Rússia devem cair ainda mais com a entrada em vigor das sanções que restringem os negócios envolvendo a Rosneft Oil. Um embargo total às importações de petróleo russo é uma possibilidade em pauta na cúpula da UE.

Impedida de comercializar livremente, a Rússia, que já tem deslocado sua produção de diesel para a Ásia, principalmente para a Índia e China, deve ampliar esse fluxo.

Consultorias especializadas, como a FGE, preveem redução de 1,5 milhão de barris ao dia em processamento de petróleo na Rússia no segundo semestre de 2022, com redução significativa na produção de diesel, sem que esse volume seja substituído pelo mercado.

Governos tentam mitigar a crise

Nesse contexto, governos mundo afora vêm adotando diversas medidas para mitigar o impacto do aumento dos preços internacionais para as suas populações.

Noruega, Coréia do Sul, Holanda, Nigéria e Índia, por exemplo, estão entre os países que reduziram tributos sobre os derivados de combustíveis, enquanto Alemanha, Reino Unido, Grécia, Japão e Dinamarca implantaram políticas de subsídios a esses produtos. Há ainda países como França, Itália e Espanha que adotaram ambas as políticas simultaneamente.

O cenário de crise não provoca apenas o aumento no custo do produto. Há também a possibilidade de faltar diesel no mercado.

Isso já tem levado à liberação de reservas estratégicas por parte dos Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul e mais 22 países da UE até a medidas mais extremas de redução do consumo, como racionamento de energia e fechamento temporário de fábricas, no caso da China.

Risco de desabastecimento no Brasil

Neste momento, portanto, o governo brasileiro deve se preocupar não apenas com o preço alto do diesel e seu impacto no custo de vida das famílias, mas com a perspectiva de possível desabastecimento, dada a nossa dependência de importações, da ordem de 25% da demanda.

Com a segurança energética do país sob risco, num contexto de guerra, delicado e imprevisível, a mistura de escassez de diesel e alta inflacionária ameaça não só o abastecimento logístico do país, mas também a segurança alimentar da sociedade, cujo suprimento, em grande medida, depende do modal rodoviário.

Diante desse quadro, e dado o caráter estratégico do suprimento regular de derivados, justifica-se medidas extraordinárias, nos moldes daquelas estabelecidas no contexto de escassez hídrica que afetou o setor elétrico por mais de uma vez. É hora de garantir a continuidade e a segurança do suprimento de combustíveis, alimentos e demais produtos aos consumidores nacionais.

E política de preços em pauta

A manutenção, pela Petrobras, do preço de paridade de importações endash; ou seja, da venda dos derivados de petróleo no mercado doméstico pelo preço equivalente ao importado endash; é fundamental para se garantir investimentos privados em refino e em logística de importação e distribuição desses produtos. Trata-se de um valor do qual o País não pode abrir mão, sob pena de comprometer o abastecimento futuro.

No entanto, é preciso reconhecer que o cenário de guerra e escassez abre espaço para a discussão com a sociedade de medidas emergenciais e temporárias que tenham como finalidade amortecer os custos imediatos da flutuação do preço dos combustíveis.

Além das medidas em curso, como desonerações tributárias endash; já implementadas pelo governo federal e que agora são estudadas pelos governos estaduais endash; ou a concessão de subsídios, como aventado, é possível também o estabelecimento de mecanismos de mercado como aqueles adotados no setor elétrico, cuja essencialidade do serviço pode ser comparada ao abastecimento nacional.

Nenhum país pode prescindir de sua segurança energética, cuja relevância estratégica não se restringe ao seu efeito sobre o desenvolvimento econômico, mas também se constitui premissa básica da qualidade de vida e da cidadania, fundamental para garantir os direitos à informação e à mobilidade.

Nesse sentido, circunstâncias excepcionais justificam medidas extraordinárias endash; estabelecidas, de partida, com data para começar e terminar endash; para assegurar essa necessidade vital da sociedade, que precisa ser atendida.

* Aurelio Amaral é advogado e consultor de empresas com especialização pela USP, foi diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), onde também atuou como superintendente de abastecimento

** Marcos Cintra é executivo do setor de petróleo, gás e energia, é mestre em políticas públicas (IE-UFRJ) e doutor em energia (IEE-USP)

Fonte/Veículo: Agência EPBR - coluna Aurélio Amaral* e Marcos Cintra**

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