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Responsável pelo alerta para o aumento de casos fatais de intoxicação por metanol após consumo de álcool combustível na região de Campinas (SP) e, possivelmente, no Brasil, a equipe do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) da Unicamp afirmou, em coletiva realizada nesta quinta-feira (17), que as intoxicações registradas pela unidade são os mais graves dos últimos 41 anos.

"De 14 pacientes, 11 faleceram. Ou seja, talvez a intoxicação mais grave que o centro tem lidado, desde a sua história, nos últimos 41 anos. O que chama atenção é que são indivíduos vivendo em situação de rua e que estão vivendo em abrigos, seguramente em momentos de abstinência alcoólica, procurando um álcool de valor muito mais barato", detalha o professor Fábio Bucaretchi.

O médico ressalta que o metanol, em si, não é o que provoca a morte dos pacientes, mas sim o ácido fórmico resultante da metabolização da substância. Além disso, a alta letalidade está atrelada ao fato de que muitas pessoas passaram pelo CIATox tardiamente, cerca de 39 horas após o consumo.

"É uma intoxicação extremamente grave, realmente tem alguns surtos no mundo inteiro, mas no Brasil, que a gente saiba, é algo inédito isso de você, dentro da história da medicina, morrer devido ao consumo de álcool combustível, comprar o álcool de combustível para esse fim", afirma.

Adulteração

Bucarethi reforça que as intoxicações foram causadas por altos níveis de metanol nos combustíveis consumidos pelos pacientes, evidenciando adulterações com porcentagens da substância acima do que é permitido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

"O que nós estamos querendo é alertar, primeiro, para coibir esse consumo, porque está colocando em risco a população. Segundo, para melhorar muito a fiscalização e tomar as medidas legais com os que estão vendendo um produto que é proibido para uso humano", diz.

Ainda segundo o médico, foi possível rastrear a origem do combustível em quatro dos 14 casos atendidos pelo CIATox. Nos dois primeiros, ocorridos em 2016, dois homens que estavam em um abrigo consumiram álcool do mesmo posto de combustíveis e morreram poucos dias depois.

"Naquela época, em 2016, nós notificamos a ANP e ela disse que, inclusive, esse posto já tinha sido autuado. Os últimos casos, por exemplo, a gente já notificou a Vigilância Epidemiológica para notificar a Vigilância Sanitária do município".

Entenda o alerta

  • De acordo com o CIATox, as intoxicações costumam ser fatais e estão associadas ao consumo do álcool obtido em bombas de postos de combustíveis;
  • O balanço considera casos registrados desde 2016, totalizando 14. Desses, 10 foram registrados apenas nos anos de 2022 e 2023;
  • Atualmente, segundo a Unicamp, o único antídoto disponível no Brasil é o álcool (etanol) absoluto para uso intravenoso, encontrado em poucos serviços de urgência.

Quem são os pacientes?

  • A maioria dos pacientes atendidos pelo CIATox eram homens com idade média de 36 anos e histórico ou forte suspeita de consumo de álcool combustível;
  • Além disso, as motivações consideradas na maioria dos casos foram abstinência alcoólica e dificuldades financeiras;
  • Em quatro dos casos, os pacientes eram pessoas vivendo em situação de rua ou em serviço de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Como a intoxicação se manifesta?

  • Ao procurarem a Unicamp, os pacientes apresentavam quadros graves que incluíam coma, choque, acidez excessiva do sangue e aumento do ânion gap. Além disso, 13 dos 14 pacientes precisaram de ventilação mecânica invasiva;
  • Em média, as pessoas atendidas procuraram o CIATox 39 horas após o consumo da substância, o que comprometeu as chances de sobrevida;
  • Dos 14 pacientes, apenas três sobreviveram à intoxicação, mas apresentaram sequelas neurológicas e/ou cegueira total ou parcial.

Recomendações

Com a probabilidade de um cenário ainda mais grave quando considerada a totalidade do país, o CIATox divulgou uma série de recomendações urgentes para diversas instituições, que vão da área da saúde à segurança pública.

São elas

  • Investigação de adulteração de combustíveis: os níveis de metanol encontrados nas amostras dos pacientes indicam, segundo a Unicamp, a presença de uma quantidade da substância acima do permitido no etanol hidratado combustível. Com isso, é recomendada a investigação de possíveis adulterações por órgãos competentes;
  • Diagnóstico e tratamento: os serviços de urgência e emergência, por sua vez, devem estar preparados para identificar quadros de intoxicação por metanol o mais rápido possível, além da indicação adequada de antídotos e terapias;
  • Mobilização nacional: a Unicamp recomenda uma incorporação de todos os CIATox do país, da Associação Brasileira dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (ABRACIT), Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox), Coordenação Geral de Urgência e Emergência do Ministério da Saúde (CGUE/SAS/MS), Grupo Condutor Estadual da Rede de Urgência e Emergência e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU);
  • Antídoto: o CIATox ressalta que o tratamento com etanol requer monitoramento contínuo do paciente, o que é "pouco viável em nosso cenário de disponibilidade de laboratórios de toxicologia". Outro antídoto possível é o fomepizol, que consta na lista de antídotos dos medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas tem custo elevado e ainda não está disponível no país;
  • Medicina forense: por fim, a Unicamp recomenda uma investigação aprofundada sobre a causa da morte de pessoas em situação de vulnerabilidade e com histórico de alcoolismo, com pesquisa de metanol e outros álcoois tóxicos.

Campinas

Ao g1, a Prefeitura de Campinas informou em nota que a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar não tem demanda, nos últimos anos, de atendimento a pacientes intoxicados por metanol.

"Em caso de eventual necessidade do antídoto, as unidades entrarão em contato com o CIATox, que orientará a conduta a ser adotada", diz o texto.

Além disso, a administração municipal afirmou que o alerta emitido pela Unicamp foi repassado às unidades de urgência e emergência, e que os profissionais passam por capacitações constantes para atendimento de casos de intoxicação.

Fonte/Veículo: G1

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