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O sistema de governança da Petrobras se aperfeiçoou nos últimos anos, mas ainda assim há espaço para abuso de poder de controle, na visão de especialistas ouvidos pelo Valor. O episódio mais recente da troca de comando da petroleira, sem justificativa aparente, acrescenta mais um ingrediente neste sentido.

Enquanto o nome de Caio Paes de Andrade, indicado para CEO, será escrutinado pelos órgãos de governança à luz da Lei das Estatais (13.303), parte do mercado também espera algum posicionamento dos conselheiros da companhia. Na noite de segunda-feira, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou a destituição de José Mauro Coelho da presidência da Petrobras. O comando da petroleira deve ser assumido por Paes de Andrade, que chefia a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia. Coelho ficou apenas 40 dias no cargo.

Para o advogado e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ary Oswaldo Mattos Filho, a Petrobras tem um sistema de governança "muito bom e muito forte" e os recentes episódios do presidente Jair Bolsonaro, envolvendo a companhia, mostram que o chefe do Executivo está preocupado somente com a reeleição. Uma ingerência de fato sobre a empresa - caso, por exemplo, de uma mudança na política de preços por motivos eleitorais - leva algum tempo para ser implementada até que todas as regras sejam alteradas. Na prática, se aproximaria do momento das eleições presidenciais.

"É uma tentativa de manipulação da empresa para atender a um objetivo meramente político", diz o advogado e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP).

Também ex-presidente da CVM, o advogado Marcelo Trindade diz que o novo episódio da companhia agrava ainda mais o que já vinha acontecendo, em termos de "desgovernança" corporativa. A substituição, em menos de 40 dias, ocorreu sem que nenhum fato relativo aos negócios da petroleira sequer tenha sido mencionado.

"Tudo o que tem acontecido na Petrobras cada vez mais avança o sinal [da governança corporativa]. E dessa vez sequer a questão dos combustíveis foi usada como razão", afirma.

Internamente, a governança da companhia está fortalecida, pondera. Em 2019, Carlos Victor Guerra Nagem, conhecido como Capitão Victor, foi indicado para comandar a área de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras (ISC), ligada diretamente à presidência. Funcionário da empresa e candidato a deputado estadual pelo PSC no Paraná em 2018, Nagem foi impedido de assumir o cargo à época. Atualmente, atua como assessor da presidência.

A gestão de companhias com capital misto tem sido conduzida como uma política de extensão ministerial, na visão da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Em nota, a entidade reafirma que a arbitrariedade na tomada de decisões tem prevalecido de forma incompatível com o relacionamento exigido em companhias listadas em bolsa. A troca de executivos na Petrobras não tem relação com o desempenho ou gestão da empresa, acrescentou.

A nota oficial divulgada pelo Ministério menciona que "o Governo renova o seu compromisso de respeito a governança da empresa, mantendo a observância dos preceitos normativos e legais que regem a Petrobras", o que, para a Amec, soa como algo dissociado da realidade dos fatos.

Apesar do fortalecimento da governança nos últimos anos, a Petrobras não está totalmente blindada, na visão de José Monforte, que atua como conselheiro independente de companhias abertas. De um lado, o controlador tem o poder de nomear e destituir o presidente, mas a lei das Sociedades por Ações deveria impedir o abuso e colocar claramente o melhor interesse da empresa como balizador das decisões. E a lei das Estatais reforçou com mais proteção. "Há um ritual e uma dinâmica em governança que não pode ser ´destratado´ do jeito que tem sido. O impacto na operação da empresa é enorme. Não tem nenhum lado bom, nenhum subproduto positivo", disse Monforte.

Quanto à indicação do novo presidente com base na lei das Estatais, o Valor ouviu diversos especialistas e, de forma geral, nenhum deles apontou uma vedação objetiva para a entrada do executivo na companhia. Paes de Andrade não tem participação em partidos políticos ou sindicatos. Mas não impediu que fossem levantados questionamentos sobre a experiência profissional exigida na regulação. São necessários pelo menos 10 anos na área de atuação da empresa pública ou pelo menos quatro anos em cargo de direção em companhia da mesma área de atuação da estatal. De qualquer forma, o executivo faz parte do conselho da PPSA há pouco mais de um ano. Por se tratar de uma estatal, espera-se que esse tipo de escrutínio tenha sido feito antes de seu ingresso na empresa do pré-sal.

Fonte/Veículo: Valor Econômico

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