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A revisão de políticas públicas envolve um complicado jogo de interesses. De um lado, é inevitável que eventuais mudanças gerem perdas ou descontentamentos em grupos específicos beneficiados por essas políticas. De outro, há também considerações sobre o uso eficiente desses recursos e sobre como melhorias nessas políticas poderiam gerar mais ganhos de bem-estar para a população. Com frequência, argumentos contrários às revisões focam apenas nas perdas, ignorando ganhos líquidos que poderiam ser obtidos na reformulação das políticas existentes.

São muitos os exemplos, mas agora em discussão está a desoneração dos tributos que incidem sobre os combustíveis. A política, instituída no ano passado pelo governo Bolsonaro, e renovada de forma temporária pelo governo Lula vale até o final de fevereiro.

A volta do PIS/Cofins sobre a gasolina e o etanol implicará o aumento do preço ao consumidor final; sua magnitude dependerá de como e quando as distribuidoras e postos farão o repasse do imposto. Mas ainda que a volta desse imposto possa ter impacto adverso no orçamento de muitas famílias, há ao menos outros quatro bons motivos para que política de desoneração dos combustíveis chegue ao fim.

Primeiro, o fim da desoneração não poderia encontrar conjuntura mais favorável que a atual. O preço do petróleo, que escalou no início do ano passado em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia e da retomada da atividade global, acumula queda expressiva desde junho do ano passado, quando a política de desoneração dos combustíveis foi implementada. Além disso, o preço do diesel e da gasolina vendidos pela Petrobras para as distribuidoras encontra-se acima da paridade internacional e um próximo reajuste de preços para baixo da própria Petrobras ajuda a aliviar a alta que seria causada pela reoneração.

Segundo, em termos de direcionamento de recursos públicos emdash;já que a desoneração implica renúncia de receitas que poderiam ser direcionadas para outras finalidadesemdash;, não é claro que a desoneração dos combustíveis contribua para colocar o pobre no orçamento. Cerca de metade dos domicílios brasileiros tem carro, mas ele se encontra menos presente nos domicílios mais pobres e mais presente nos domicílios mais ricos. A desoneração dos combustíveis é política pouco focalizada, que não incide onde a pobreza está e proporcionalmente favorece mais aqueles que têm carro e que são mais ricos.

Terceiro, a desoneração estimula o uso de combustíveis fósseis e dificulta a transição para uma economia de baixo carbono, em dissonância com os compromissos assumidos pelo governo na COP27 e com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU que vêm sendo adotados ao redor do mundo.

E, quarto, a manutenção da desoneração de impostos tem impactos relevantes nas contas públicas, já que diminui a arrecadação do governo em momento no qual todo e qualquer recurso faz diferença para garantir a perspectiva de solvência do Estado e a estabilidade na dinâmica do endividamento público. Estima-se que o fim da prorrogação da alíquota zero deva render cerca de R$ 30 bilhões ao caixa do governo em 2023.

Em entrevista recente, o ministro da Justiça, Flávio Dino, mostrou desconforto com a perda de popularidade do governo decorrente de eventuais mudanças na política econômica, argumentando que, se "Lula enfrentar problemas na economia, atos antidemocráticos podem voltar".

A opção por um reequilíbrio fiscal pelo lado da arrecadação emdash;conforme visto no conjunto de medidas anunciado pela Fazenda no início do ano, que inclui a volta do PIS/Cofins sobre os combustíveisemdash; sempre encontrará descontentes. Se é difícil enfrentá-los mesmo neste caso tão emblemático, com inúmeros argumentos claros e convincentes para que o fim da desoneração dos impostos sobre gasolina e etanol seja imediato, não é difícil prever que demais medidas que envolvam o fim de benefícios tributários, aumentos ou criação de impostos encontrarão ainda mais resistência.

Quão crível será um novo arcabouço fiscal baseado em aumento de receitas se não se consegue a volta integral de tributos sobre combustíveis fósseis, em um caso tão óbvio?

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

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