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Em meio às discussões que seguem em tramitação no Congresso Nacional sobre o fim da escala 6x1, entidades ligadas ao setor do comércio criticam a proposta de redução da jornada de trabalho e travam um embate com defensores da mudança. De um lado está a visão sobre as melhorias na qualidade de vida da equipe; do outro, surgem as preocupações com custos, produtividade e contratação das empresas.

Enquanto defensores da escala 5x2 argumentam que a redução dos dias trabalhados pode aumentar o bem-estar e o desempenho profissional, representantes do comércio e dos serviços questionam a piora na escassez de mão de obra, o aumento da informalidade e a pressão sobre preços, principalmente em um setor de baixa margem e forte concorrência com e-commerce.

Atualmente, o fim da escala 6x1 está em discussão no Congresso e ainda não virou lei. No Senado, uma PEC que reduz a jornada para até 36 horas semanais foi aprovada na CCJ na quarta-feira, 10, e aguarda votação no plenário. Na Câmara, a proposta está parada em subcomissão, com versão alternativa que mantém a escala e reduz a jornada para 40 horas.

Associações do comércio ouvidas pelo Estadão afirmam que a mudança é eldquo;inviávelerdquo; e que há outras prioridades a serem discutidas neste momento, como a carga tributária e a dificuldade de contratação formal no setor.

Em outubro, o País alcançou taxa de desemprego na mínima histórica de 5,4%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda assim, muitos setores seguem sem conseguir resolver a escassez de mão de obra, principalmente nas áreas que englobam comércio e serviços.

Para Fauze Yunes, presidente da Associação de Lojistas do Brás (Alobrás), a implementação da jornada 5x2 emdash; cinco dias de trabalho e dois de descanso emdash; pode piorar o cenário. eldquo;Isso tende a incentivar ainda mais a informalidadeerdquo;, diz. À frente da entidade que reúne aproximadamente 600 lojas, o presidente afirma que o setor enfrenta dificuldades para atrair profissionais. eldquo;É inviável. Hoje ninguém consegue contratar. A gente não paga melhor porque não tem a lucratividade necessáriaerdquo;, afirma.

O que dizem as empresas favoráveis ao 5x2

As empresas que adotaram a redução de dias sem diminuir salário defendem que a jornada 5x2 visa garantir maior qualidade de vida para os trabalhadores e, ao mesmo tempo, serve para aumentar a performance. A mudança, no entanto, não ocorreu sem custos para as companhias.

No hotel de luxo Palácio Tangará, que implementou a nova escala em outubro, o investimento anual foi de R$ 2 milhões. O aumento das despesas está ligado à contratação de 27 novos profissionais para redistribuir a carga horária e reorganizar as jornadas. Com isso, o número de empregados do hotel passou de 329 para 356.

No varejo farmacêutico, as Drogarias São Paulo e Pacheco, do Grupo DPSP, anunciaram a adoção da jornada 5x2 em todas as unidades para os 24 mil trabalhadores, mas não detalharam se houve contratações adicionais para viabilizar a transição.

Em nota, o grupo informou apenas que mantém vagas abertas eldquo;independentemente da escalaerdquo; e que a implementação do novo modelo eldquo;não alterou esse cenárioerdquo;. Os custos da operação também não foram divulgados. Segundo a empresa, eldquo;todas as alterações financeiras foram previstaserdquo;.

Já a varejista sueca Heamp;M estreou no Brasil com a jornada reduzida. A empresa iniciou suas operações no País em agosto, adotando a escala 5x2 para os funcionários de loja. Joaquim Pereira, country manager e responsável pela implementação da marca no Brasil, afirmou ao Estadão que a decisão contrasta com o padrão 6x1 predominante no varejo brasileiro porque a companhia eldquo;segue seus valoreserdquo; e destacou também o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Custos da operação e aumento dos preços

Alfredo Cotait Neto, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), discorda dos benefícios associados ao bem-estar. eldquo;É uma discussão quase filosófica de ter mais tempo para cuidar da família. Não adianta ter mais tempo se não tem rendaerdquo;, afirma.

Para o dirigente, a proposta tende a fracassar. eldquo;Na prática, vai ser um grande desastre. Se tivéssemos trabalhadores de excelência, poderia funcionarerdquo;, avalia Cotait, ao considerar que menos horas de trabalho deve resultar em queda no desempenho.

Supondo que um produto em que o custo de produção é de R$ 100, baseado em uma jornada de 44 horas, o valor seria maior caso o tempo de trabalho fosse reduzido, justifica. eldquo;Se passo de 44 para 36 horas, não termino o produto na mesma semana. Vou precisar de cerca de 20% mais tempo para finalizar. Isso eleva o custo de produção, encarece o preço de venda e gera inflaçãoerdquo;, afirma.

A premissa de associar número de horas trabalhadas à produtividade é equivocada, rebate a especialista em futuro do trabalho, Maíra Blasi. eldquo;Existe uma falsa ideia de que mais horas de trabalho significam mais resultado, isso não é verdadeiroerdquo;, afirma. De acordo com a especialista, jornadas extensas podem dar o efeito contrário com profissionais mais cansados e queda na qualidade do trabalho.

Quando o trabalhador tem mais tempo de descanso, argumenta Blasi, costuma atuar de forma mais focada. eldquo;Ele trabalha melhor porque também conseguiu viver a própria vida, cuidar da família, da saúde e resolver questões pessoaiserdquo;, afirma.

O fator saúde também impacta diretamente o desempenho das empresas. eldquo;As pessoas não conseguem trabalhar sem saúde. O resultado é mais absenteísmo, mais afastamentos e mais pedidos de licençaerdquo;, diz em referência a um estudo publicado na revista Nature Human Behaviour.

A pesquisa analisou quase 3 mil trabalhadores em 141 organizações nos EUA, no Canadá, no Reino Unido, na Austrália, na Irlanda e na Nova Zelândia. Os resultados indicaram redução de burnout e melhoria na saúde física e mental, após seis meses de jornada reduzida, sem queda de produtividade.

Na visão do presidente da CACB, a mudança acentuaria o custo de produção e diminuiria o nível de produtividade do trabalhador. No entanto, ele pondera que o modelo poderia funcionar em um cenário diferente. eldquo;É possível desde que o trabalhador seja mais qualificado e produza mais. Se ele conseguir compensar a redução da carga horária com mais produtividade, o efeito pode ser neutroerdquo;.

Fauze Yunes, da Alobrás, avalia que a proposta está enviesada. eldquo;É uma proposta totalmente eleitoralerdquo;, afirma. Enquanto isso, a entidade que representa os lojistas do Brás ainda não tem um posicionamento definitivo sobre o fim da escala 6x1. eldquo;Não sou contra a proposta. Acho que é justa, mas é um segundo passo. Antes precisamos de incentivos fiscais. Estamos esperando para ver como vai avançarerdquo;, afirma.

O presidente da CACB concorda que a proposta tem viés eldquo;populistaerdquo; e não estima eldquo;uma alternativa do jeito que estáerdquo;. Para a mudança poder dar certo, afirma, seria necessário um programa de qualificação da mão de obra de pelo menos cinco anos. eldquo;Tem de preparar o campo e investir em qualificaçãoerdquo;, conclui.

A especialista Maíra Blasi argumenta ainda que o discurso em torno da manutenção do modelo 6x1 deve se tornar insustentável para as empresas. Isso porque o Brasil vive um cenário próximo ao pleno emprego, com concorrência direta de trabalhos por aplicativo de entrega e com um ideal de empreendedorismo nas massas, afirma.

eldquo;Você não vai atrair as pessoas mais dispostas, inteligentes, dedicadas e criativas com uma carga tão pesadaerdquo;, diz. eldquo;Se a empresa quer funcionários que aceitem trabalhar horrores e entreguem resultados medianos, talvez precise rever o que vem primeiro.erdquo;

Para entender como a proposta vem sendo discutida internamente, a reportagem também procurou a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), mas até o momento da publicação não houve retorno sobre o posicionamento da entidade.

Fonte/Veículo: O Estado de S.Paulo

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