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Mais de cem pesquisadores trabalharam ao longo de dois anos para catalogar as estratégias que dizem emperrar o combate ao aquecimento global. Os resultados estão no livro "Climate Obstruction: a Global Assessment" ("Obstrução climática: uma avaliação global", sem tradução para o português), publicado pela Oxford University Press.

Os autores definem a obstrução climática como o "conjunto de ações intencionais para atrasar ou bloquear políticas alinhadas ao consenso da ciência sobre o que é preciso fazer para evitar a interferência da humanidade no clima do planeta".

A obra avaliou a produção acadêmica disponível sobre o tema e se inspirou na metodologia dos relatórios do IPCC, o painel científico sobre mudanças climáticas ligado às Nações Unidas.

O livro, com autoria de 110 pesquisadores de diversas partes do mundo, envolveu revisão por pares e está disponível de forma gratuita. Haverá eventos de lançamento durante a COP30, em Belém.

A análise focou em artigos publicados após 2015, quando 195 países adotaram o Acordo de Paris. A Climate Social Science Network, da Universidade Brown, nos Estados Unidos, liderou a elaboração do volume.

O livro aborda a obstrução nas Nações Unidas e identifica as seguintes estratégias para travar avanços na convenção do clima, a UNFCCC:

  • limitar a abordagem de um assunto, excluindo certos temas da agenda;
  • manipular a linguagem de acordos, com textos ambíguos;
  • e promover discussões adicionais e adiar decisões mais profundas.

As COPs, reuniões anuais como a que acontece em Belém, exigem consenso para validar qualquer texto final, e os pesquisadores apontam que esse instrumento acaba por favorecer a obstrução.

"Estudos têm observado que o consenso pode promover resultados de mínimo denominador comum e incentivar comportamentos não cooperativos. Países obstrucionistas do Norte e do Sul Global historicamente mantiveram posições inflexíveis e usaram desproporcionalmente seu poder de veto para retardar o progresso, atrasar ou bloquear acordos", dizem.

De acordo com os pesquisadores, há evidências de que a indústria de petróleo e gás implantou três estratégias de obstrução ao longo dos anos:

  • negar o consenso da ciência sobre a mudança climática;
  • atrasar a ação de governos com táticas de intimidação econômica;
  • e cooptar o discurso e as políticas em favor do próprio setor.

Segundo o livro, a negação explícita do problema por parte das petroleiras diminuiu após a década de 1990 e deu lugar uma oposição mais sutil, com planos de expandir a produção.

A Folha solicitou um posicionamento da Associação Internacional de Produtores de Petróleo e Gás (IOGP, na sigla em inglês). Não houve retorno até a publicação.

"A abertura de novos poços de petróleo não acontece sem obstrução, porque estamos em um ponto, cientificamente, onde entendemos que não podemos tirar mais carbono do solo", afirma Jennifer Jacquet, professora de ciência e política ambiental na Universidade de Miami e uma das editoras do livro, a respeito da perfuração da Petrobras na bacia Foz do Amazonas. A empresa não respondeu à reportagem.

O livro diz que, apesar do discurso da indústria de petróleo e gás sobre transição energética, "um amplo conjunto de pesquisas acadêmicas não encontrou evidências convincentes de uma mudança generalizada no setor para se afastar dos combustíveis fósseis após o Acordo de Paris".

Quanto ao agronegócio, os cientistas afirmam que alguns atores do ramo contribuem para influenciar a compreensão do público sobre o papel da pecuária no aquecimento global e obstruir respostas políticas.

"Os impactos climáticos da agropecuária são cientificamente bem estabelecidos, mas a indústria continua a contestar a escala, a gravidade e a própria existência desse problema", dizem. A Folha procurou a Organização Mundial dos Fazendeiros (WFO, na sigla em inglês). Não houve retorno.

O livro menciona as companhias Danone, Danish Crown, Nestlé, Tyson Foods e JBS e afirma que "não está claro como essas empresas cumprirão suas promessas climáticas, e a falta de dados abrangentes sobre suas emissões e estratégias de mitigação dificulta a responsabilização e a verificação independente".

A Folha procurou todas as citadas. Em nota, a Nestlé afirma que reduziu suas emissões em 20,3% em 2024 em comparação com o nível de 2018 e que o progresso de suas metas climática é transparente.

A Danish Crown disse que publica informações sobre suas emissões e discorda da alegação de que os dados não são verificáveis.

A Danone afirmou que trabalha para descarbonizar as operações e que tem a ambição de reduzir 30% das emissões de metano na produção de leite até 2030. Segundo a companhia, os relatórios de sustentabilidade são transparentes.

Tyson Foods e JBS não responderam aos questionamentos da reportagem.

Os cientistas afirmam que a transformação social necessária para combater a crise do clima nunca foi considerada fácil, mas dizem que ela se tornou cada vez mais difícil devido às táticas de obstrução.

"O sucesso da ação climática futura será determinado, em grande parte, pelo nível de compreensão e pela capacidade de superar essa oposição", declaram.

Para Timmons Roberts, professor de ciência social do clima na Universidade Brown e coordenador do livro, a oposição ajuda a explicar o momento em que o planeta se encontra, com o limite de 1,5°C de aquecimento global dado como perdido. "A obstrução organizada da ação climática foi muito estratégica e efetiva em destinar as negociações ao fracasso."

Entender como funciona esse fenômeno e o que fazer para superá-lo ajuda a trazer esperança no combate ao aquecimento global, opina Roberts. "Significa dizer que não foi inevitável, não foi apenas a natureza humana que nos levou a não agir no clima, isso foi planejado sistematicamente."

Carlos Milani, professor de relações internacionais na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e único brasileiro entre os editores da obra, afirma que o principal discurso ligado à obstrução climática é o de adiar o corte das emissões de gases-estufa.

"Não é necessariamente um conjunto de estratégias de negacionismo literal, mas de desvincular a causa do efeito, diluir a responsabilidade, alegar que a tecnologia vai produzir soluções mágicas e que só temos de ter paciência", diz.

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

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