Sindiposto | Notícias

Às vésperas da COP30, Lula se apresentou como líder ambiental, destacando a queda no desmatamento da Amazônia desde que assumiu a presidência.

Por isso, ambientalistas ficaram consternados quando, semanas antes da reunião em Belém, o governo aprovou o pedido da Petrobras para explorar petróleo na foz do Amazonas.

"Enquanto o mundo precisar, o Brasil não vai jogar fora riqueza que poderia melhorar a vida do povo brasileiro", disse Lula após a decisão.

À medida que o mundo passa pela transição energética, a noção de que essa mudança deve beneficiar a todos ganhou força. Embora a expressão seja popular, as interpretações são muito diferentes.

Quase todos os países aceitam que a produção de petróleo e gás eventualmente precisa parar, mas muitas nações em desenvolvimento não querem liderar o caminho, particularmente enquanto o maior produtor de petróleo do mundo emdash;os Estados Unidosemdash; é uma economia rica que não faz nenhum esforço para reduzir.

Nações como o Brasil enfrentam um dilema, diz Alfonso Blanco, do think-thank Inter-American Dialogue. "Se eu me comprometo a parar de produzir [petróleo e gás] voluntariamente, perco a chance de monetizar minhas reservas enquanto outros continuam".

Lula subscreve essa visão. Para ele, uma "transição energética justa" envolve maximizar a produção de petróleo e gás e compartilhar parte dos lucros com os pobres. Mas, embora esse conceito tenha amplo apoio político, tanto dentro quanto fora do país, essa não é a única visão.

Na Colômbia, Gustavo Petro defende o oposto. Desde que assumiu, em 2022, suspendeu novos contratos de exploração, aumentou impostos sobre combustíveis fósseis e tenta criar uma economia baseada em turismo e agricultura sustentável. "Estamos dispostos a viver sem carvão e petróleo", afirmou em seu discurso de posse. "Protegerei nosso solo e subsolo, nossos mares e rios, nosso ar e céu. A Colômbia será uma potência mundial da vida."

No entanto, nos três anos desde que Petro assumiu o cargo, o entusiasmo pela rápida transição energética em algumas partes do mundo em desenvolvimento parece estar diminuindo. As economias emergentes tornaram-se resistentes à eliminação gradual dos combustíveis fósseis além do carvão.

Com a China sendo de longe o maior emissor de carbono do mundo, e com o declínio de emissões na Europa e nos EUA, as ações das nações em desenvolvimento determinarão em grande parte o ritmo das mudanças climáticas nas próximas décadas.

Alguns dizem que, no modelo defendido pelo Brasil, há falta de incentivos para cumprir as propostas de descarbonização. "O argumento de financiar a mudança com o petróleo não tem base concreta. O Brasil não possui um fundo nacional de clima vinculado às receitas do petróleo. Em vez de fortalecer a transição, esse modelo aumenta a dependência de combustíveis fósseis ", diz Juliano Bueno de Araújo, do Instituto Arayara.

No cenário atual, o Brasil está avançando com planos para bombear mais petróleo. O governo Lula quer que o Brasil se torne o quarto maior produtor de petróleo bruto do mundo até 2030, à frente do Iraque e dos Emirados Árabes Unidos.

Ambientalistas e defensores dos direitos indígenas estão horrorizados. "Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser um líder climático no fundo do oceano", diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, referindo-se à decisão de permitir a perfuração na foz do Amazonas.

O Greenpeace e outras sete ONGs acionaram a Justiça para barrar o projeto.

"Este projeto é predatório, ignora a voz dos povos indígenas, os verdadeiros guardiões da floresta, e expõe as contradições do governo em investir em combustíveis fósseis, a principal causa da crise climática, poucos dias antes da COP30", diz Kleber Karipuna, coordenador da aliança dos Povos Indígenas do Brasil.

O governo, porém, alega que a exportação do petróleo financiará programas sociais e investimentos verdes. "A transição precisa ser justa, e para isso tem que haver dinheiro na mesa", defende o ministro Alexandre Silveira, que considera o Brasil "líder da transição energética global".

No mundo em desenvolvimento, o ponto de vista de Silveira encontra muitos apoiadores.

A prioridade para o maior produtor de petróleo da África, a Nigéria, é monetizar o petróleo e o gás, enquanto a Arábia Saudita planeja descarbonizar o consumo de energia internamente, mas está investindo para manter a posição de segundo maior produtor de petróleo.

Na América Latina, a Argentina está acelerando a produção nos gigantescos campos de xisto de Vaca Muerta, na Patagônia. A empresa estatal de petróleo do México, Pemex, planeja reabrir poços antigos para produzir mais.

Na Venezuela, que possui as maiores reservas conhecidas de petróleo do mundo, a expansão da produção de petróleo é um dos poucos objetivos compartilhados pelo ditador Nicolás Maduro e a líder da oposição María Corina Machado.

Em contraste, Chile e Uruguai estão liderando em energia renovável, mas ambos são economias relativamente pequenas.

O Suriname, pequena nação que costumava se promover como um emissor líquido negativo de carbono, planeja começar a produzir petróleo offshore pela primeira vez em 2028. A vizinha Guiana, que tem 85% do território coberto por florestas, está expandindo a produção de petróleo agressivamente.

Nenhum produtor de petróleo da América Latina está buscando zerar emissões tão fervorosamente quanto a Colômbia.

No entanto, Petro enfrenta o custo político e econômico de sua guinada verde. O setor de petróleo e mineração responde por 44% das exportações e até 15% da receita pública. A retração dos investimentos levou à saída de gigantes como Shell, ExxonMobil e Chevron do país.

Com a queda da produção própria de gás, o país agora depende de importações. Mauricio Cárdenas, pesquisador da Universidade Columbia e candidato conservador nas eleições colombianas do próximo ano, diz que isso não faz sentido porque o gás importado é mais caro e gera mais emissões de carbono. "A única coisa que nós colombianos conseguimos com isso é pagar mais e poluir mais por causa de uma política energética ruim."

As políticas anti-combustíveis fósseis de Petro, juntamente com uma hostilidade mais ampla ao setor privado, também afetaram o crescimento econômico da Colômbia.

A economia estagnou: o PIB cresceu apenas 0,7% em 2023 e 1,6% em 2024, segundo o FMI. O Brasil cresceu mais rapidamente sob Lula do que a Colômbia sob Petro.

O governo de Petro não tem planos de mudar o rumo. "Devemos parar de depender de uma economia rentista baseada em commodities e avançar para uma economia produtiva centrada na agricultura e no turismo", disse Edwin Palma, ministro de Energia e Mineração da Colômbia, ao FT.

Palma diz que o país tenta diversificar a matriz energética, dominada por hidrelétricas e termelétricas a gás e carvão, mas projetos solares e eólicos avançam com entraves. A associação setorial estima que fontes limpas responderão por 14% da eletricidade até o fim do ano, ante 2,5% dois anos atrás.

Enquanto isso, Lula reforça a imagem de um Brasil "verde", referência mundial em etanol e com matriz 90% renovável. O país aposta na sustentabilidade como vantagem competitiva. "O Brasil é um laboratório de soluções de baixo carbono em setores altamente poluentes. Isso não é fácil e, obviamente, há compensações. Mas eu realmente acredito que tanto as empresas quanto o governo estão tentando fazer [as coisas] da maneira mais responsável", diz Luisa Palacios, da Universidade Columbia.

Quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil vem do desmatamento, seguido pela agricultura e pecuária com 28%, de acordo com dados compilados pelo Observatório do Clima. A queima de combustíveis fósseis representa muito menos.

Mas isso pode mudar. Nas últimas duas décadas, o Brasil emergiu como uma força global no petróleo graças ao pré-sal. Com a produção desses campos prevista para atingir o pico até o final da década, a indústria petrolífera acredita que a próxima grande descoberta do Brasil está na Margem Equatorial. O governo estima que possa conter 10 bilhões de barris recuperáveis.

Esse impulso por novas reservas está por trás da controversa decisão do Ibama que concedeu à Petrobras a licença de perfuração exploratória na foz do Amazonas.

Na Colômbia, a guerra de Petro contra os combustíveis fósseis pode estar perdendo força. Candidatos de esquerda e direita prometem reverter a política energética do atual presidente nas eleições de 2026.

"É realmente notável o quanto Petro gerou um efeito contrário, porque costumava haver um consenso muito mais orientado para o meio ambiente na elite colombiana", diz Francisco Monaldi, da Universidade Rice. Segundo ele, agora o consenso é de que é preciso aumentar a produção para sustentar o desenvolvimento social.

(por Financial Times)

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

Leia também:

article

BYD quer 'virar a página' e estuda abrir fábrica de Camaçari (BA) para visitas

Para se afastar das polêmicas e reforçar sua presença nacional, a BYD estuda uma nova estratégia: [...]

article

Dívida de devedores contumazes com a União poderia quadruplicar investimentos de segurança pública

Um levantamento do Instituto Combustível Legal (ICL), com base em dados do Ministério da Fazenda [...]

article

Petróleo cai com temor de excesso de oferta e projeções de superávit a partir de 2026

Os contratos futuros de petróleo fecharam em queda nesta quinta-feira, 6, em meio à percepção de [...]

Como posso te ajudar?