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Apesar de pujante em óleo e gás, até hoje o Brasil só verificou 8% das bacias sedimentares de seu território e precisa mais do que dobrar o fator de retorno dos campos de petróleo ativos para se aproximar das potências do setor. Essa condição ainda faz do País um eldquo;mar de oportunidadeserdquo; para petroleiras internacionais, ainda que o badalado pré-sal veja cair seu protagonismo como fronteira exploratória. A leitura é do presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), o diplomata Roberto Ardenghy, em entrevista ao Broadcast/Estadão. Aproveitar esse potencial, diz o executivo, requer a manutenção da oferta permanente de áreas ao setor privado, o que, afirma, tende a continuar independentemente do próximo governo. Da mesma forma, ele não vê recuo na atividade de pequenas e médias petroleiras seja qual for o resultado das urnas.

Ardenghy assumiu o IBP em maio. Desde então, atravessa momento marcado pelos efeitos da guerra na Ucrânia e pressões do governo de Jair Bolsonaro,candidato à reeleição pelo PL, sobre a Petrobras. Treinado pelo Instituto Rio Branco, ele não polemiza, mas marca a posição pelas empresas associadas ao IBP. Como faz na questão da tributação que, para ele, deve preservar a atratividade do Brasil em um mercado globalizado.

Uma das mentes por trás do maior evento do setor brasileiro de petróleo, a Rio Oil e Gas, Ardenghy também aborda temas caros à feira. Por exemplo, os novos consensos sobre transição energética e o ímpeto de descarbonização da cadeia de óleo e gás. É um esforço do setor para deixar a posição de vilão do debate climático e se afirmar como garantidor da passagem às fontes renováveis. Depois de dois anos de pandemia, a 20ª edição da Rio Oil e Gas acontece de 26 a 29 de setembro. A seguir, principais trechos da entrevista:

Qual é o mote desta edição da Rio Oil e Gas?

Vamos mostrar que a transição energética tem de acontecer de maneira organizada, para não gerar pobreza energética. A guerra na Ucrânia mostrou a dificuldade de mergulhar nesse processo no afogadilho. A ideia de trazer uma série de novas energias para substituir o óleo e gás no curtíssimo prazo não é factível, nem econômica e nem tecnologicamente. Ainda não existe nada mais competitivo do que os combustíveis fósseis. Fora que o mundo tem hoje US$ 23 trilhões em ativos ligados ao setor, um patrimônio que não seria jogado fora de uma hora para a outra. Então, mais importante do que fazer uma transição rápida, talvez seja trabalhar muito para descarbonizar o que já temos na mão.

Sobre descarbonização: o esforço acontece no Brasil de forma satisfatória?

Acontece e vai se intensificar. Porque isso vai se tornar uma condição do mercado. O Brasil já tem a vantagem competitiva de produzir um petróleo com baixa emissão de carbono relativa. A média mundial é de 30 quilos de CO2 por barril. Hoje no Brasil conseguimos produzir petróleo a 10 quilos de CO2 por barril. É um terço da média mundial. E tem espaço para cair mais. O caminho da eficiência é longo.

Por que reduzir emissões vai ser uma condição?

Porque no futuro o cliente vai perguntar sobre preço, mas também vai querer saber o quanto de carbono foi emitido para produzir um determinado volume de petróleo. Se o produtor não tiver uma resposta boa, ele vai procurar outro fornecedor, porque terá de cumprir metas de descarbonização associadas ao refino dele, em seu país de origem. Quanto menor a emissão na fase original, melhor ele vai performar na frente. Então vai haver uma demanda objetiva pela redução dessas emissões na indústria.

O crivo vai se intensificar com o declínio do petróleo ante a consolidação de renováveis...

Sim. O British Petroleum Annual Report aponta que pelo menos até 2040 o consumo de petróleo vai aumentar. Nas décadas seguintes, devemos experimentar estabilidade de e, a partir de 2070, deve haver redução, em função da substituição por alternativas renováveis. Então, será importante ter um produto cada vez melhor. E o petróleo vai seguir importante. Não vai mais ser tão usado na geração de energia, menos nobre, mas vai servir à petroquímica e outras aplicações, que tendem a continuar bastante fortes. Essa cadeia vai exigir um produto menos intensivo em carbono. Para isso, vamos precisar de inovação voltada à descarbonização. Muita já está sendo feito e vai ser apresentado nesta ROeG. É um dos pilares do evento.

As principais descobertas do pré-sal têm dez anos e nada novo tem sido encontrado. Há expectativas sobre a Margem Equatorial, mas o fato é que a produção nacional pode começar a cair bem antes do pico mundial de 2040. Não é um problema?

Sem dúvida. É o que chamamos de reposição de reservas. Um dos problemas que tivemos no passado foi uma interrupção de alguns anos no processo de leilões públicos de áreas. O setor funciona com pipeline. Você oferece os blocos, faz licitação, contrata sísmicas para descobrir reservas ou não, declara acessibilidade, o projeto é desenvolvido e só depois tem início a produção. Todo esse encadeamento leva anos. E se é interrompido no meio do caminho, há um hiato futuro à produção. É exatamente esse o momento que estamos passando no Brasil e precisamos superá-lo agora, acelerando as licitações. A ANP, em boa hora, está organizando certames, promovendo a oferta permanente. Essas reservas serão repostas.

Não há risco da produção nacional cair no início da próxima década?

Hoje nós produzimos 2,7 milhões de barris de petróleo por dia. Em 2030, a EPE estima que estaremos produzindo 5,2 milhões de barris por dia se considerados todos os projetos licenciados. É um aumento relevante. Pode ser próximo do pico da curva se não forem descobertas novas reservas. Por isso é importante manter atividade exploratória nas bacias mais diversas.

Há esgotamento do pré-sal como fronteira exploratória?

Talvez as principais áreas do pré-sal já tenham sido descobertas, mas ainda há áreas interessantes nas bordas. E não existe risco zero nisso. O fracasso de perfurações é muito comum e faz parte da rotina dessas empresas. Por isso a escala do investimento é tão alta. É preciso estar preparado para um poço seco que vai custar US$ 100 milhões, US$ 200 milhões, dinheiro que vai embora e pode não mais voltar. Mas há um diferencial no caso brasileiro: o País ainda é uma fronteira exploratória enorme se comparada a outros países com trabalhos de prospecção mais amplos. Apenas 8% das bacias sedimentares brasileiras foram devidamente exploradas para fins de presença de hidrocarbonetos. Outro ponto é que o fator de recuperação dos campos brasileiros ainda é baixo se comparado ao de outros países. Está na faixa de 10% a 12%, enquanto nos Estados Unidos e outros países gira em torno de 28%. Temos um delta para ampliar descobertas, mas também onde já produzimos.

A eventual eleição do ex-presidente Lula pode significar interrupção da oferta de áreas?

Não acho. Os leilões tendem a continuar. Essa é uma visão compartilhada por toda a indústria. Se você não oferece áreas, não descobre reservas, não há perfurações, e a produção futura fica ameaçada. Então, independentemente do próximo governo, a necessidade de fazer mais atividade exploratória no Brasil é uma realidade. Petróleo embaixo da terra não tem valor nenhum. Antigamente ainda se cogitava deixar para futuras gerações, mas hoje, com a transição energética, não monetizar essas reservas o quanto antes pode significar perder um bonde que está andando. Seria muito negativo para a economia brasileira em termos de geração de emprego e renda e arrecadação.

O futuro do setor no País está garantido em qualquer cenário?

Os números que temos indicam um investimento de US$ 183 bilhões nos próximos dez anos só com o que tem de projetos planejados hoje. São 465 mil empregos e previsão de US$ 662 bilhões em royalties e participações especiais. Veja a dimensão econômica desses números para um país como o Brasil. Qualquer novo governo estará atento a isso.

A Petrobras ainda domina grande parte do ecossistema de produção, apesar dos esforços de desinvestimento. Em um governo Lula, essa abertura não fica ameaçada?

Ainda há muitas oportunidades para além da Petrobras. Mas a companhia fez um esforço muito grande para vender campos marginais, de pequena monta, especialmente em terra. Nesse processo surgiu um mercado que ganha corpo, e já produz entre 200 mil e 250 mil barris por dia, gerando muita atividade econômica em regiões como Espírito Santo, Bahia e Alagoas. As empresas médias ocupam o espaço deixado pelas grandes, que focam outros desafios. É assim no mundo todo. Não faz sentido para uma empresa do tamanho da Petrobras ter um campo cujo poço produz dez ou doze barris por dia, enquanto atua em um poço do pré-sal que produz 50 mil barris por dia. Mas para uma empresa de porte menor, pode fazer todo sentido. Ela passa a investir para potencializar a operação, gerando uma atividade que antes não acontecia porque a Petrobras tinha outras prioridades.

Esse mercado de médio e pequeno porte segue em expansão em qualquer cenário?

Acho que sim. Porque não existem só os ativos a serem alienados pela Petrobras. A própria ANP tem mais de 400 campos de petróleo em oferta permanente que podem ser interessantes para empresas com esse perfil.

As atenções do setor tendem a se voltar para a Margem Equatorial nos próximos anos?

Há expectativas. E falo expectativa por se tratar de geologia. Uma coisa é fazer sísmica, outra é perfurar de fato. Por isso é bastante importante contar com um operador experiente como a Petrobras fazendo todo o trâmite do licenciamento ambiental para realizar a primeira perfuração ainda esse ano e confirmar ou não a ocorrência de reservas na região. Se acontecer, sem dúvida vai ser um marco importante para a manutenção da atividade exploratória no País, com aumento da produção nas próximas décadas.

Grandes petroleiras têm convivido com frustrações de natureza geológica e dificuldades de licenciamento ambiental, como na Foz do Amazonas. Como vê isso?

O licenciamento ambiental é atividade intrínseca do setor. As empresas estão acostumadas a isso. Em alguns casos, as empresas decidiram devolver as áreas ou transferir para a Petrobras, que está retomando o processo. Novas fronteiras exploratórias têm sensibilidade evidente, e o órgão ambiental brasileiro (Ibama), corretamente, faz com que o operador tenha de agir com máxima cautela. É normal, e a atividade exploratória não está comprometida por isso. O Brasil tem vantagens, entre as quais grandes reservas, um marco regulatório forte, histórico de respeito a contratos e um operador reconhecido no exterior, a Petrobras. Tudo isso faz com que o País siga no radar das grandes empresas internacionais.

Ainda há discussões sobre o melhor modelo, de concessão ou partilha da produção. Qual é a posição do IBP?

As empresas sócias do IBP estão acostumadas com regimes jurídicos de diversos países. Uma Shell, ExxonMobil ou Equinor opera em 40, 50, 100 países diferentes, cada um com regime próprio. Então não temos nenhum problema em trabalhar com partilha ou concessão. Achamos que o modelo de concessão é o mais adequado à regulação brasileira, mas essa é uma decisão do governo, não das empresas. O modelo que o governo adotar é o que vamos seguir. Na partilha, a empresa operadora e o governo estão ali dividindo os lucros da operação. Na concessão, a empresa detém a propriedade do óleo e paga uma quantidade grande de impostos sobre a atividade. Uma tributação que varia no Brasil, mas pode chegar até 69%. Depende muito do tipo de projeto e da produtividade.

O governo se movimenta para revisar precocemente o preço de referência do petróleo para os royalties. É sinal de insegurança ao setor?

A preocupação é realmente porque existe uma regra segundo a qual essa revisão é feita a cada oito anos. E a próxima seria somente em 2026. Então fomos pegos de surpresa nesse sentido. Mas se o objetivo é criar mais um mecanismo de apoio para produção dos campos maduros e marginais (baixando os royalties incidentes), de modo a compensar empresas pela baixa produtividade dos campos, isso é justificável. Não seria uma novidade do Brasil, acontece no mundo inteiro.

O IBP encara bem o aumento de royalties sobre campos novos para baixar a incidência sobre os maduros?

Depende muito do que você chama de aumento. Por isso vamos acompanhar de perto a discussão e contribuir tecnicamente com a ANP. Consideramos o nível pago hoje adequado para a atividade. Se vier um aumento muito grande da tributação, é claro que isso vai reduzir a atratividade dos projetos. Isso porque as empresas, especialmente as internacionais, têm portfólios vastos, mundiais. Quando (dentro de uma mesma empresa) um setor leva um projeto do Brasil, tem alguém levando na Guiana, na Nigéria, ou em algum outro país. Os projetos disputam os mesmos recursos das empresas dessa maneira. É um processo competitivo, e os executivos têm de mostrar que o Brasil tem um nível adequado de tributação, que ainda permita remunerar o projeto e justificar o investimento.

Os preços dos combustíveis escalaram no País, e a lógica de preços livres se mostrou politicamente inviável. Há alívio momentâneo, mas isso não parece equacionado estruturalmente. Como avalia?

A volatilidade dos preços internacionais não é privilégio do setor de petróleo e derivados. Todas as commodities padecem do mesmo. Se você pega a soja, milho ou minério de ferro, todas sofrem do mesmo efeito que é ter a situação internacional muitas vezes pressionando o preço interno. A sinceridade dos preços é muito importante para cumprir uma coisa na economia: informar ao consumidor que determinado produto está muito caro naquele momento. E é por isso que a pessoa para de comer carne cara e passa a comer frango ou porco, até o mercado se ajustar. Foi o que aconteceu com o petróleo: o barril chegou a um patamar tão alto que a demanda por combustíveis declinou no mundo e começou a aparecer uma oferta mais firme. Aí, naturalmente, os preços voltam a cair. Então, a dinâmica de preços é uma realidade que deve ser mantida em nossa visão.

Nada precisa ser feito?

Foi feito. Veja, nessa discussão bastante acirrada que houve no País, com um forte componente político, o resultado foi muito positivo, se Identificou que havia excessiva tributação, especialmente no caso da gasolina. Eram alíquotas grandes, que causavam uma pressão sobre os preços e poderiam ser reduzidas. E isso foi feito: houve uma reforma tributária no setor, sendo igualadas alíquotas pelo País e criado o sistema da alíquota ad rem. Isso fez com que o mercado brasileiro caminhasse para algo muito mais são, em que se evita sonegação fiscal e trânsito excessivo de caminhões entre estados com enormes problemas concorrenciais. Não só caiu o preço, mas também houve uma reorganização para melhor no mercado de combustíveis no Brasil.

Fonte/Veículo: O Estado de São Paulo

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