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Razões para o veto presidencial da alínea e do artigo 440 do PLP nº 68/2024, que ampliou os benefícios da Zona Franca de Manaus para refinaria de petróleo em operações internas na região.

Vimos apresentar as razões, baseadas no interesse público e no primado da Constituição Federal, para fundamentar o veto presidencial à alínea e do artigo 440 do PLP nº 68/2024, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, que incluiu, entre os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus (eldquo;ZFMerdquo;), a indústria de refino de petróleo situada na região, em relação às saídas internas para aquela área incentivada, desde que cumprido o processo produtivo básico.

Inicialmente, cumpre destacar que o dispositivo em questão não tem razão de ser no contexto da regulamentação da Reforma Tributária. É que, como reconheceu o Plenário do Supremo Tribunal Federal na recente ADI nº 7239, a Zona Franca de Manaus, desde a sua origem, nunca comtemplou as operações envolvendo petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados. Isso ocorre porque a legislação que a criou, o DL nº 288/67, bem como dos dispositivos constitucionais, como os artigos 40 e 92-B do ADCT, o último introduzido pela EC nº 132/23, que mantiveram esse regime, nunca pretenderam criar um benefício que promovesse o desequilíbrio no mercado de petróleo, lubrificantes e combustíveis. Assim, não há razão para a aprovação do benefício, uma vez que a EC nº 132/23, que introduziu o art. 92-B no ADCT, estabeleceu que os benefícios da Zona Franca de Manaus serão mantidos nos termos vigentes em 31/05/2023, o que, evidentemente, não comtempla o refino de petróleo na região.

É importante salientar que o dispositivo em questão estabelece o benefício ao refino na ZFM a partir da introdução de uma exceção a uma regra que exclui o setor de petróleo e gás da área de livre comércio, que, como declarado pelo STF, já era existente desde a criação do regime favorecido. Vale transcrever o texto da regra cujo veto se pretende, onde sublinhamos o trecho que foi alterado pelo Senado:

eldquo;Art. 440. Não estão contemplados pelo regime favorecido da Zona Franca de Manaus:

e) petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo, exceto para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, em relação exclusivamente às saídas internas para aquela área incentivada, desde que cumprido o processo produtivo básico, permanecendo a vedação para todas as demais etapas;erdquo;

Diante da impossibilidade de se vetar apenas a exceção contida no final da alínea e, ex-vi do artigo 66, §2º, CF, que estabelece que mesmo o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea, o veto presidencial que se pleiteia deverá abranger toda a alínea e. Porém, deve-se advertir que a supressão de todo o texto da referida alínea não terá o condão de ampliar os benefícios da ZFM para as outras fases da cadeia de petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo, uma vez que a legislação em vigor, como reconheceu o STF na citada ADI 7239, originalmente já excluiu o setor do regime da ZFM.

De fato, o artigo 37 do DL nº 288/67, que estruturou a Zona Franca de Manaus, já exclui de sua abrangência do setor de petróleo nos seguintes termos:

eldquo;Art 37. As disposições contidas no presente Decreto-lei não se aplicam ao estabelecido na legislação atual sôbre a importação, exportação e tributação de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos de petróleo.erdquo;

Com as alterações no referido dispositivo legal pela Lei nº 14.183, de 2021, declarado constitucional pela citada ADI 7239, ficou ainda mais clara a exclusão do setor:


eldquo;Art. 37. As disposições deste Decreto-Lei não serão aplicadas às exportações ou reexportações, às importações e às operações realizadas dentro do território nacional, inclusive as ocorridas exclusivamente dentro da Zona Franca de Manaus, com petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo por empresa localizada na Zona Franca de Manaus.erdquo;

Ressalte-se que o veto à integralidade da alínea e do artigo 440 do PLP nº 68/2024 não tem o condão de alterar o quadro jurídico atualmente em vigor. Deste modo, o veto em questão não revoga o artigo 37 do DL nº 288/67, com redação dada pela Lei nº 14.183/2021, que excluiu o setor de petróleo da ZFM, a exemplo do que já fazia a legislação original do regime, sistemática que foi mantida pelo artigo 92-B do ADCT.

No que tange à contrariedade ao interesse público, a medida aprovada pelo Congresso Nacional ensejará uma perda de arrecadação, de acordo com dados apresentados pelo COMSEFAZ1, no valor aproximado de R$ 3,5 bilhões por ano. Em um prazo de dez anos, a medida impactará o orçamento público em um montante de cerca de R$ 35 bilhões. Tal perda arrecadatória será ainda maior se consideramos que, com o benefício, a gasolina subsidiada pela medida se tornará mais barata do que o etanol hidratado. A consequência dessa mudança no consumo irá fazer com que o setor de biocombustíveis também deixe de contribuir, na proporção atual, para a arrecadação tributária, elevando as perdas arrecadatórias acima estimadas.

A fim de dar cumprimento ao novo arcabouço fiscal, previsto na Lei Complementar nº 200/2023, uma perda de arrecadação dessa magnitude levará, indubitavelmente, à frustação de despesas públicas ou à elevação da carga tributária dos demais contribuintes. Com isso, se fará necessário um aumento das previsões para as alíquotas do IBS e da CBS para os demais setores submetidos ao regime geral de tributação, o que contraria as diretrizes do Governo Federal de que a Reforma Tributária aprovada pela EC nº 132/23 não levaria à maior tributação dos contribuintes em geral. Com isso, corre-se o risco de termos o maior IVA do mundo.

Também contraria o interesse público a promulgação de uma medida que beneficia apenas uma única refinaria, localizada na Zona Franca de Manaus, em detrimento de todas as demais empresas do setor de petróleo e gás do país, causando desequilíbrios na concorrência e riscos na saúde e na segurança desse importante segmento estratégico para a economia do nosso país.

No plano da sua compatibilidade com o Texto Maior, a medida aprovada pelo Congresso Nacional apresenta três inconstitucionalidades, com violações aos artigos

(i) 92-B do ADCT e art. 156-A, §1º; (ii) 170, IV e 146-A; e (iii) 225, VIII e 145, §3º,

todos da Constituição Federal.

Como visto, o artigo 92-B do ADCT, com redação dada pela EC nº 132/23, determinou que o diferencial competitivo da Zona Franca de Manaus, nos termos estabelecidos até dia 31/05/2023, seriam mantidos. Vale lembrar que a Reforma Tributária tem como uma das suas principais ideias forças o princípio da neutralidade fiscal, estabelecido pelo art. 155-A, §1º como uma das regras reatoras dos principais tributos criados da reforma, o IBS e da CBS, impedindo que a tributação interfira nas decisões econômicas dos agentes, não teve por escopo ampliar os benefícios fiscais setoriais e regionais. Baseado nessa ideia força, a Reforma Tributária, em nome da neutralidade e da simplificação, tem como um dos objetivos fundamentais a redução das diferenciações entre contribuintes. Nesse contexto constitucional, a manutenção, pelo art. 92-B do ADCT, dos benefícios fiscais da ZFM estabelecidos até 31/05/2023 é uma exceção garantida pela sobrevivência do IPI na região, que não pode ser ampliada pela legislação complementar para novas situações sob pena de se admitir que a lei regulamentadora venha a violar o dispositivo constitucional regulamentado. Assim, a lei complementar, para não violar o artigo 92-B do ADCT, deveria ter se limitado a manter os benefícios da ZFM nos termos estabelecidos até 31/05/2023, e não os ampliar de forma original e casuísta.

Por outro lado, a ampliação da ZFM para o setor de petróleo representa uma inovação que promove uma grave violação da livre concorrência. Este princípio, previsto no artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal, não apenas orienta a ordem econômica constitucional, como constitui corolário da livre iniciativa, valor fundamental da atividade econômica e da República Federativa do Brasil, de acordo com o art. 170 e do artigo 1º, IV, da Carta Magna, a partir da ideia de que apenas alguns dos concorrentes de um mesmo mercado, no caso concreto, apenas um, não podem ter benefícios fiscais em detrimento de outros. Em um setor em que a margem de lucro é muito reduzida e os investimentos são vultuosos e de retorno a longo prazo, um favor fiscal dessa magnitude a apenas uma empresa provavelmente a levará a dominar o mercado, em fenômeno que não se dá apenas em escala local, mas nacional.

A medida atenta ainda contra o artigo 146-A, CF, que determina que a lei complementar preveja regimes de tributação que previnam os desequilíbrios da concorrência. No caso concreto, a lei complementar em questão não só não está promovendo tal objetivo constitucional, mas como ainda o contraria estabelecendo um regime fiscal que leva ao grave desequilíbrio da concorrência. Uma amostra desses efeitos danosos à livre concorrência é dada pelas consequências nefastas de liminares que estendem ao setor de petróleo os efeitos da ZFM, o que vem recebendo o repúdio dos Tribunais Superiores, do que é eloquente exemplo a citada decisão do STF na ADI nº 7239.

Nesse sentido, a fim de que as empresas possam competir de forma justa, é imprescindível garantir igualdade de condições, e, para tanto, os tributos devem incidir de forma equânime em relação aos agentes econômicos em disputa nos mercados, considerando que as exações também influenciam diretamente no custo e potencialmente no preço dos produtos. Não foi por outra razão, ou seja, para evitar o tratamento desigual em um setor tão sensível ao impacto da tributação nos preços, que o legislador de 1967 já havia excluído o setor do petróleo e derivados dos efeitos da Zona Franca de Manaus.

Por fim, o dispositivo legal precisa ver vedado por violar também as garantias ambientais consagradas pela própria Emenda Constitucional nº132/2023, uma vez que o incentivo ao refino de petróleo na ZFM, em razão das repercussões no mercado de combustíveis, subverte o regime favorecido para os biocombustíveis em relação aos de origem fóssil, estabelecido pelo art. 225, VIII, CF e agride o princípio da proteção fiscal ao meio ambiente, previsto no artigo 145, §3º, ambos aprovados pela Reforma que o PLP nº 68/2024 se propôs a regulamentar. É que com tamanho benefício fiscal para o refino do petróleo, não há como os produtores e comerciantes do álcool hidratado manterem um preço competitivo com a gasolina. Assim, a lei complementar estaria adotando uma medida gravemente violadora do meio ambiente, cuja proteção pela tributação é um dos princípios introduzidos pela EC nº 132/2023.

As violações ambientais que a medida ora atacada enseja não se resumem a ditames de ordem interna, mas atentam contra os acordos internacionais assumidos pelo Brasil como, por exemplo, o Acordo de Paris, em que o nosso país assumiu compromissos, vinculantes do ordenamento pátrio, com a redução da temperatura global

e da emissão de gases de efeito estufa. Nesse contexto, vale destacar que o Brasil sediará a COPE 30, que será realizada, em 2025, em Belém do Pará. E para esse importante momento da nossa atuação na ordem internacional ambiental, o nosso país se compromete a aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol, inclusive por meio do aumento da parcela de biocombustíveis avançados (segunda geração), de acordo com a Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada para Consecução do Objetivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Nesse contexto, será desastrosa a violação de nossos compromissos internacionais ambientais pela aprovação de incentivos fiscais expressivos para os combustíveis de origem fóssil.

Diante de todas as razões expostas, baseadas no interesse público e na inconstitucionalidade da alínea e do artigo 440 do PLP nº 68/2024, é recomendável o veto presidencial da integralidade do aludido dispositivo legal aprovado pelo Congresso Nacional.


Atenciosamente,

Ricardo Lodi Ribeiro

Professor Associado de Direito Financeiro da UERJ

Ex-Reitor da UERJ. Ex- Diretor da Faculdade de Direito da UERJ Mestre em Direito Tributário e Doutor em Direito e Economia


Fonte/Veículo: Assessoria de Imprensa do IBP

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