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O número de ações trabalhistas disparou em 2024, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), na contramão de um dos principais objetivos da reforma de 2017. Entre janeiro e outubro deste ano, ingressaram na Justiça trabalhista 3,450 milhões de processos, um aumento de 15% em relação aos 2,991 milhões registrados no mesmo período de 2023.

Os números do TST mostram que, entre 2017 e 2021, a entrada de novas ações trabalhistas recuou 27%, de 3,965 milhões para 2,888 milhões. Em 2022, subiu para 3,161 milhões e, no ano seguinte, 3,519 milhões. Os números mostram que a trajetória de queda foi invertida.

O crescimento no número de ações ocorreu após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2021, invalidou um trecho da reforma que determinava que o perdedor de uma ação trabalhista deveria pagar custas processuais e honorários advocatícios e periciais da parte ganhadora, mesmo se fosse beneficiário da Justiça gratuita. Com a decisão do STF, beneficiários da Justiça gratuita não precisam mais pagar os honorários da parte vencedora emdash; a não ser que o credor demonstre que a outra parte já pode pagar os honorários (isto é, deixou de fazer jus à gratuidade).

emdash; Houve um aumento do número de demandas por causa disso emdash; afirma o advogado João Póvoa, sócio do Bichara Advogados, acrescentando que o mercado de trabalho aquecido, em menor grau, também contribui para o aumento de processos.
Efeito da pandemia
A Reforma Trabalhista determina que o benefício da Justiça gratuita é para quem tem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social emdash; hoje, o equivalente a R$ 3.114 por mês. Entretanto, a Justiça trabalhista tem concedido gratuidade com base em uma mera declaração da pessoa, afirmando que não tem condições financeiras para pagar as custas processuais.
Na tentativa de preencher esse vácuo, os ministros do TST se reúnem esta semana para decidir sobre o tema. O presidente do Tribunal, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirma que o plenário vai definir como fica a situação de um trabalhador que ganha um pouco acima do limite ou recebe mais, mas tem várias despesas.

Uma discussão será como esses trabalhadores vão comprovar que não têm condições de assumir as custas processuais: se será preciso apresentar todos os boletos de pagamento de despesas para atestar a capacidade financeira ou se vai prevalecer a declaração de hipossuficiência (documento que comprova que uma pessoa não tem condições financeiras para pagar os custos de um processo judicial) já considerada por juízes de instâncias inferiores. A decisão do Tribunal terá efeito vinculante: vai orientar essa questão em todos processos em tramitação e em novos casos.

Mudança de direção
O presidente do TST admite que a reforma ajudou a reduzir processos trabalhistas, mas lembra que os efeitos da pandemia da Covid também precisam ser considerados:

emdash; Evidentemente que houve uma redução das ações com a Reforma Trabalhista porque havia um temor com relação ao acesso à Justiça. Se o empregado perdesse a ação, ele tinha que pagar as custas e honorários advocatícios da parte contrária, e antes não havia isso pelo princípio da gratuidade do processo do trabalho. E, se ele conseguisse êxito em parte da demanda, naquilo que ele perdeu, pagaria com o próprio crédito. Agora, a diminuição ocorreu também no momento da pandemia, as pessoas perderam o emprego emdash; afirmou Corrêa da Veiga.

Verbas rescisórias no topo
Na avaliação do presidente do TST, o alto volume das ações na área trabalhista decorre ainda da característica do mercado formal de trabalho brasileiro, com alta rotatividade, e da dinâmica da geração de empregos. Pelos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o saldo de postos criados em 2024 deve ficar em torno de dois milhões.

De acordo com levantamento da Corte trabalhista, as verbas rescisórias emdash; o acerto da demissão emdash; figuram como o principal motivo das causas judiciais. São queixas por não pagamento de aviso prévio, que é proporcional ao tempo de serviço, horas extras e férias. Também fazem parte do ranking multa de 40% do FGTS, intervalo de jornada e adicional de insalubridade e periculosidade. Além disso, este ano entraram na lista das principais causas as indenizações por dano moral.

As ações abrangem todos os setores da economia formal, com maior incidência em serviços e indústria. Há queixas nos segmentos de comércio, administração pública, educação, serviços financeiros e agropecuária.

emdash; O aumento das demandas na Justiça trabalhista eleva o custo de empregar e o custo de formalizar a força de trabalho emdash; afirma o economista José Márcio Camargo.

Segundo o professor de Relações do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore, a imprevisibilidade das decisões judiciais é um obstáculo para o ambiente de negócios no Brasil:

emdash; A quantidade de ações trabalhistas no Brasil é enorme. Investidores tendem a evitar mercados onde as autoridades judiciais anulam acordos legais ou impõem penalidades sem base na legislação vigente emdash; diz Pastore.

Ele observa ainda que o aumento das ações trabalhistas tem reflexos para os cofres públicos, com maior pressão por mais infraestrutura e servidores da Justiça do Trabalho.

Resistência de juízes
Um estudo coordenado por Pastore e vários especialistas, a ser divulgado no ano que vem, aponta para um eldquo;esvaziamentoerdquo; da Reforma Trabalhista. De acordo com o texto, há uma resistência dos juízes do Trabalho e do próprio TST à flexibilização da terceirização, à possibilidade de negociação de vários direitos constantes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), à limitação da Justiça gratuita aos que efetivamente não podem pagar e à necessidade de definição de pedidos líquidos nas petições iniciais (certos, determinados e com indicação de seus valores).

O texto original da reforma foi encaminhado ao Congresso no governo da então presidente Dilma Rousseff com poucos artigos. Entretanto, na gestão dee Michel Temer, a proposta se tornou uma ampla reforma, que alterou vários artigos da CLT.

Especialistas resslatam que o alto grau de judicialização do trabalho eleva os custos para os empregadores. Segundo o advogado Fabiano Zavanella, sócio do escritório Rocha, Calderon e Advogados Associados, a decisão do Supremo estimulou a litigiosidade.

emdash; Não há mais o ônus da derrota, de arcar com despesas da outra parte. Isso desequilibra o processo, aumenta o custo das empresas que enfrentam grandes demandas e tem reflexos gerais, na contratação e no preço para os consumidores emdash; afirma Zavanella.

Além da prevalência do negociado entre as partes sobre a legislação, a reforma acabou com o imposto sindical obrigatório, um ponto que os sindicatos buscam restaurar até hoje. Também foram criados vínculos atípicos, com regimes de trabalho como o intermitente (remuneração por hora e contrato com vários empregadores) e o de tempo parcial, com jornada semanal inferior a 30 horas.

Intermitente mantido
No fim da semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou três ações que questionavam a validade do contrato intermitente. Com esse resultado, esse tipo de modelo de trabalho foi validado. Em 2023, eles representaram 10% do total de vínculos, segundo o Ministério do Trabalho. Este ano, dos 2,1 milhões de empregos criados até outubro, os atípicos responderam por 19%, somando 407.469.

Para especialistas, o atual governo colhe os frutos das mudanças na lei trabalhista. Entre janeiro de 2023 e outubro deste ano, foram gerados 3,572 milhões de empregos com carteira assinada.

emdash; De um modo geral, a flexibilização das regras impulsiona a contratação formal emdash; disse Caio Napoleão, economista da MCM Consultores.

O relatório da reforma foi elaborado pelo então deputado Rogério Marinho (RN), hoje senador pelo PL. Ele observa que a geração de empregos é ininterrupta desde dezembro de 2017, quando o estoque de trabalhadores no emprego formal era de 38,3 milhões e saltou para os atuais 47,6 milhões.

Marinho afirma que essa alta aconteceu no meio de uma pandemia. E lembra que, em dezembro de 2022, já havia quase 44 milhões de trabalhadores em empregos formais.

emdash; Significa dizer que se trata da maior recuperação de empregos formais, após uma recessão, de que se tem conhecimento. O Congresso Nacional produziu uma legislação que trouxe previsibilidade e resultados positivos na geração de empregos formais. Essa perspectiva deve ser respeitada, e qualquer aperfeiçoamento deve ser conduzido pelo Parlamento emdash; diz Marinho.

Procurado, o Ministério do Trabalho não comentou.

Fonte/Veículo: O Globo

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