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O decreto que o governo federal prevê editar nesta segunda-feira, 26, que altera o setor de gás natural no País, para tentar reduzir o preço do produto, pegou o setor de petróleo de surpresa. Fontes ligadas ao segmento, em conversas reservadas com o Estadão, já falam em quebra de contrato, risco de judicialização, além de entenderem que as medidas serão inócuas, com pouco efeito sobre os preços no curto e médio prazos.

Os grandes consumidores de gás, como as indústrias química e de vidro, por outro lado, entendem que o decreto é benéfico para a economia e apoiam as medidas encabeçadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

Procurado, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) afirmou que só irá se manifestar após a publicação do texto. Mas o entendimento entre executivos e especialistas do setor de petróleo que pediram para não ser identificados pela reportagem do Estadão é de que o MME está cometendo vários erros, tanto jurídicos quanto econômicos. O ministério por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

De maneira geral, o setor de petróleo entende que o governo federal está fazendo uma intervenção no segmento de óleo e gás, quebrando contratos já firmados e jogando por terra planos de negócios e de exploração e produção das petrolíferas. Além disso, dizem que o decreto é uma afronta a Lei do Gás, aprovada pelo Congresso, e que somente uma nova lei teria força para fazer esse tipo de mudança.

A consequência mais imediata, dizem, será a paralisia nos investimentos e a busca por saídas jurídicas para amenizar as perdas.

A expectativa é de que o decreto seja assinado na manhã deste segunda-feira, após reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que contará com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Setor põe em xeque queda dos preços

Para o professor do Instituto de Energia da PUC-Rio Edmar Almeida, o decreto, além de intervencionista, não terá o efeito esperado pelo governo, de redução de preços.

eldquo;A minha impressão é que o decreto ficou muito amplo, abrangente, com viés muito intervencionista, e acho que vai trazer muita incerteza e insegurança jurídica, porque afronta os princípios da Lei do Gás. Qualquer resultado sobre os preços só pode acontecer no muito longo prazoerdquo;, afirmou.

Entre as petrolíferas, ninguém aposta em queda imediata dos preços, como acreditam os consumidores de gás e o MME. Uma das principais medidas do decreto é a diminuição da reinjeção de gás nos poços de petróleo - o que é feito pelas petrolíferas para acelerar a extração do óleo. Na visão da pasta, isso iria obrigar as empresas a venderem mais gás, o que aumentaria a sua oferta.

eldquo;Isso é muito estanho, porque o plano de desenvolvimento de cada poço é aprovado pela ANP, para só então ser colocado em prática pelas empresas, que fazem investimentos elevados. O decreto diz que a ANP poderá mudar de ideia e forçar uma redução da reinjeção. O custo será altíssimo, porque cada plataforma é feita sob medida e pode custar até US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27,5 bilhões)erdquo;, afirmou Almeida.

Além de ter um custo elevado, as empresas alegam que isso poderá levar cerca de três anos, a depender da disponibilidade das grandes estaleiros. Outros elos da cadeia também precisarão ser adaptados, como as unidades de processamento de gás natural (UPGN), o que também levaria tempo.

Planejamento de todo o setor de gás

De acordo com minuta do decreto ao qual o Estadão teve acesso, e que ainda poderá sofrer modificações, será criado o Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural, com a finalidade de eldquo;Assessoramento, articulação, monitoramento de políticas públicas, formulação de propostas e deliberações para o setor de gás naturalerdquo;.

Esse papel de eldquo;monitoramento e deliberaçãoerdquo; do Comitê foi visto como forma de rebaixar o papel da ANP, já que será criada uma outra instância, acima dela, para atuar no setor. Também será criado um Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGNB), sob responsabilidade da Empresa de Planejamento Energético (EPE).

As duas medidas são vistas como uma intervenção direta do governo no setor de gás.

eldquo;O que foi proposto é que o governo vai definir toda a cadeia e infraestrutura de gás. Isso não é viável. Deveria ser apenas indicativo. As empresas não vão gastar dinheiro para realizar estudos geológicos para depois ter que vencer licitações em leilão e outro concorrente pegar o projeto deleerdquo;, disse Almeida.

Uma outra medida questionada é a possibilidade de a ANP estabelecer um preço teto de remuneração pelo uso dos gasodutos de escoamento. Eles passarão a ser classificados como eldquo;infraestrutura essencialerdquo;, sob regulação da agência.

Visão dos consumidores

Para o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, contudo, o decreto é a melhor norma regulatória para o setor de gás natural eldquo;em décadaserdquo;.

eldquo;Vai completamente na direção certa. É o melhor decreto em décadas para o mercado de gás no Brasil, ao colocar a necessidade de revisar a reinjeção de gás natural, ao estabelecer que tem que fazer a precificação adequada das infraestrutura de escoamento, processamento e transporte de gás natural. Para a indústria química, vai destravar investimentoserdquo;, afirmou.

Ele explica que, para a indústria química, o gás é matéria prima fundamental. E vários outros setores da economia, como aço, vidro, alumínio, dependem de gás barato no País para serem competitivos, mas não conseguem.

eldquo;Há um ruído de que seria intervenção do Estado brasileiro. Não tem nada disso, todas as etapas são reguladas. Deixar desregulado é que era o problema. Para mim, que trabalho com gás há quase duas décadas, é o melhor instrumento regulatório desde a descoberta do pré-sal. Cabe agora implementaçãoerdquo;, afirmou.

Como funciona a extração?

A produção de petróleo é sempre acompanhada de produção de gás em alto-mar. Cada campo tem a sua realidade, mas, de modo geral, parte do gás é reinjetado no poço, para aumentar a sua pressão, o que aumenta a produção de petróleo.

O elo de produção se divide em várias etapas: no Brasil, a maior parte acontece em alto-mar com a extração do petróleo e do gás. Esse gás, posteriormente, é escoado até a costa, por meio de gasodutos. Em terra, ele passa por uma Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), para depois ser transportado até os chamados citygates, que vão mudar a pressão do gás. Só depois haverá a distribuição até os consumidores.

Uma das queixas dos consumidores de gás é de que o produto é de interesse nacional, e as petrolíferas acabam privilegiando a extração de petróleo, que é mais lucrativo. Com a escassez de gás, o preço do produto sobe, o que torna o segmento mais interessante para o negócio das companhias: eldquo;vende-se metade do gás possível pelo dobro do preçoerdquo;, queixou-se um representante dos consumidores.

Já as petrolíferas entendem que a reinjeção de gás cumpre normas ambientais e seguem os planos de exploração e produção que já foram aprovados pela ANP. Uma alteração por decreto representaria quebra de contrato.

Fonte/Veículo: O Estado de São Paulo

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