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A entrada de carros a combustão em Fernando de Noronha será proibida até 2025, deixando o caminho aberto apenas para novos veículos elétricos. A data, entretanto, já foi prorrogada duas vezes e, se depender dos moradores e da estrutura atual da ilha, será ainda mais.

"A ideia é boa e urgente, mas falta infraestrutura. Muitas ruas aqui são de pedra, quando não de terra. A bateria não aguenta impactos", afirma Antonio Cordeiro Neto, dono de uma adega na ilha. Até os carros elétricos da administração, adquiridos por meio de uma parceria com a fabricante Renault, estariam encostados, segundo ele.

"E, de noite, vira uma competição para recarregar." Noronha tem só seis postos de recarga para veículos elétricos espalhados pela ilha principal.

Noronha tem uma pegada de carbono alta devido aos milhares de voos e turistas o ano todo, mas o projeto de eletrificação da ilha esbarra na falta de estrutura para recarga, no alto custo de manutenção dos veículos elétricos e na dependência do biodiesel para carregar esses carros.

Isso porque, em contraste com o resto do Brasil, Noronha não está ligada ao sistema nacional de energia e depende muito do biodiesel, transportado até a ilha endash;93% da matriz, enquanto painéis solares ocupam 7%.

Por isso, para os pouco mais de 3.000 moradores da ilha, a ideia de converter os carros seria boa apenas até olhar de onde está saindo a energia para carregá-los, já que, com o aumento da demanda energética, puxada pelos carros a bateria, a tendência é de mais diesel no arquipélago.

A Neoenergia, concessionária de Noronha, pretende descarbonizar completamente a fonte, com a instalação de mais painéis fotovoltaicos, num projeto de cerca de R$ 350 milhões. O empenho, entretanto, não tem data e está "em fase de estudos em conjunto com órgãos técnicos e autoridades competentes", afirmou a companhia, em nota.

Com isso, um lema repetido por moradores de Noronha é que o diesel direto no carro é mais eficiente, logo polui menos, em comparação com alimentar um gerador para abastecer veículos elétricos.

"Teoricamente, é. Na realidade, não", diz Pedro Rosas, engenheiro elétrico e professor na Universidade Federal de Pernambuco, que já esteve envolvido na construção de uma usina eólica na ilha.

"A distância para o continente complica muito o transporte. Sem contar que não há um porto, mas postos de atracação endash;o risco de vazamento é muito grande", explica. Outro impasse é que muitos veículos na ilha são do tipo buggy, de baixíssima eficiência. "Num gerador, é muito mais controlado e eficiente". De acordo com dados do IBGE, Fernando de Noronha possui 1.381 veículos motorizados (60% com quatro rodas e 40% com duas).

"No meu entendimento, a decisão de vetar carros a combustão é acertada, mas ataca pouco o problema principal de pegada de carbono da ilha", afirma Rosas. Ele se refere ao turismo, o principal motor de renda. Cerca de 60% das emissões de gases estufa são provenientes da atividade aérea; 30% vêm dos geradores a diesel, e apenas 9% provêm de carros.

Prazo dos elétricos já foi prorrogado outras vezes

O ano de 2022 foi o primeiro prazo definido para proibir a entrada de carros movidos a diesel, etanol ou gasolina na ilha. Por pressão local, a restrição foi prorrogada para 2023 e, depois, para 2025. A meta também passa por converter toda frota do arquipélago até 2030.

"A experiência inicial não é boa. Muita gente serviu como boi de piranha e está com o carro parado", diz Cordeiro Neto, dono da adega local.

Para ter um veículo na ilha é necessária uma autorização da administração de Noronha (o equivalente a uma prefeitura), que tem uma quantidade de emissões limitada. Antonio se refere ao Projeto Noronha Carbono Zero, de 2019, que criou 130 autorizações extras, exclusivas para carros elétricos.

Um guia turístico entrevistado pela reportagem, que pediu para não ser identificado por temor de retaliações da atual administração, conta que adquiriu seu primeiro carro graças às autorizações extras e hoje o usa para passeios. "Pelo custo maior e a questão das baterias, é algo que nos dá incerteza." Em janeiro deste ano, o preço médio de um elétrico se aproximou de R$ 400 mil.

"O pessoal daqui chama o elétrico de elsquo;descartávelersquo;, e não planeja trocar mesmo sob multa. Comprei porque não tinha outro jeito. Preciso dele para trabalhar", diz.

"Não concordo com essa imposição, considerando nossa estrutura. O carro elétrico deveria ser um experimento para quem nunca teve carro", afirma Carine Silene da Silva, uma dos sete conselheiros distrital, escolhidos democraticamente, uma espécie de vereador, mais destinado a fiscalizar. "É só estar na rua que as pessoas me abordam sobre essa imposição dos carros elétricos", diz.

Moradores reclamam também da dificuldade de dialogar sobre o tema com a atual administração.

Em nota, a administração de Fernando de Noronha afirma que a prorrogação do prazo para proibir carros a combustão considerou a complexidade da descarbonização dos processos operacionais do arquipélago

"O Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha, vem envidando esforços técnicos no âmbito desse debate e das iniciativas em eficiência energética", disse.

A gestão também disse contar com 37 veículos, considerando os de circulação e de reserva. Destes, 14 são elétricos.

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

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