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Pode parecer espantoso, mas seres humanos têm o hábito de retardarem seu próprio progresso.

É o que mostra o livro "Innovation and Its Enemies: Why People Resist New Technologies" (Inovação e seus inimigos: por que as pessoas resistem a novas tecnologias", ainda sem tradução para o português), do queniano Calestous Juma (1953-2017).

Em seu livro, o então professor da Kennedy School, da Universidade de Harvard, aponta que nos últimos seis séculos sempre houve resistência a inovações, novas tecnologias ou regulações emdash;da adoção do café como bebida diária à refrigeração mecânica, da música gravada (em vez dos concertos) ao uso de equipamentos agrícolas mecânicos.

A ideia de se opor à inovação mesmo quando ela parece promover o seu melhor interesse vem sendo percebida aqui no Brasil com os movimentos recentes que podem precipitar o desmonte da Lei 13.576/2017, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

O RenovaBio é resultado de um longo e produtivo debate no Congresso Nacional, acelerado a partir do Acordo de Paris, onde o Brasil assumiu compromissos com metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005.

Faço um resumo para quem não está familiarizado com o tema. O RenovaBio tem três eixos:

  • estabelecimento de metas de descarbonização para as distribuidores de combustíveis fósseis;
  • criação dos Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBios), emitidos voluntariamente pelos produtores de biocombustíveis para compensar as metas dos distribuidores de combustíveis;
  • certificação da produção ou importação eficiente de biocombustíveis.

A lei é inteligente e boa para o meio ambiente, especialmente para um país que precisa de segurança energética: a novidade de criar o CBios materializou o RenovaBio como o maior programa de descarbonização da matriz de transporte do mundo.

Em 2023, de acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), um total de 33,1 milhões de CBios foram aposentados (retirados de circulação) por distribuidores, o que corresponde a 81% das metas individuais a eles atribuídas pela ANP.

O programa, contudo, está sob risco.

Uma das ameaças é a inadimplência, que vem ganhando corpo e ainda não enfrenta uma barreira sólida que impeça de maneira efetiva o não cumprimento dos compromissos estabelecidos pela lei.

Conforme revelam os dados da ANP, dos 145 distribuidores de combustíveis com metas fixadas para o ano de 2023, 55 não aposentaram CBios.

Somente no ano passado, 19% da meta do RenovaBio deixou de ser atingida, chegando a 7,61 milhões de CBios não aposentados. Isso equivale a R$ 860 milhões de vantagem competitiva aos inadimplentes (muitos reincidentes), segundo estimativa do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).

Outra ameaça, ainda mais grave e cada vez mais frequente, passa pelas liminares na Justiça, que mostram ter como único objetivo postergar o cumprimento de metas individuais, e que podem acabar colocando na contramão da história atores que se dizem referências em sustentabilidade.

Recorrer a filigranas jurídicas para descumprir obrigações financeiras se mostra um despropósito diante da urgência de combater as mudanças climáticas.

Por isso, é fundamental prestar atenção aos riscos que o programa vem sofrendo. E é importante salientar que, sem dúvidas, ainda é possível aprimorar a legislação para que ela atenda plenamente o seu objetivo, algo que certamente não fugirá à atenção do Ministério de Minas e Energia.

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo (Coluna Ricardo Mussa)

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