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O impacto da desvalorização do real frente ao dólar tende a chegar a produtos do cotidiano do brasileiro em poucos meses, caso indústria e varejo não consigam evitar o repasse para o preço final.

Segundo uma estimativa exclusiva da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo), em um intervalo de 12 meses, uma apreciação de 10% do câmbio tem um choque de 1,9% no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

No índice geral de inflação, a escalada do dólar é amortecida pela menor influência da moeda em serviços e preços administrados.

Por isso, os economistas simularam também o comportamento de itens em que a pressão do câmbio pode ser sentida rapidamente e que representam 7,2% da cesta do IPCA.

No caso de produtos que estão no café da manhã do brasileiro, dado que o país importa trigo, principalmente dos sócios do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) e dos Estados Unidos, a "contaminação" pela alta do dólar é rápida.

A CNC estima que, para um aumento de 10% do câmbio, o impacto no pão de forma e em bolos industrializados seria de 8,2% e chegaria aos produtos em dois meses; para o pão francês, o choque seria de 6,8% e o intervalo é de um mês.

Ainda entre os alimentos, para o mesmo aumento de 10% do dólar, haveria um aumento de 7,7% no azeite, de 6,4% na farinha de trigo e de 4,1% no macarrão (chegando a esses produtos em dois meses).

"Como são itens com forte presença de importados, a transmissão é mais rápida. É como se dentro de cada garrafa de azeite tivesse dólar", diz Fabio Bentes, economista da CNC.

Os choques do dólar sobre esses itens não significam, necessariamente, que esse será o reajuste que chegará ao consumidor final.

Bentes lembra que o fabricante e o varejista tendem a postergar o repasse dos aumentos de custos, mas a capacidade de adiar varia entre os segmentos.

"Se o varejista vende um bem de consumo durável, como um eletrodoméstico ou um celular, consegue segurar um pouco mais o repasse de preços. Quando vende combustível ou alimentos, é como se tivesse aquele resfriado que não dá trégua, o dólar contamina o preço mais rapidamente."

Na última semana, após superar os R$ 5,70 na terça-feira passada (2), o dólar à vista foi perdendo força, acompanhando o recuo da moeda norte-americana no exterior. Na segunda-feira (8), a moeda teve uma leve alta, de 0,26%, em uma sessão de liquidez menor na véspera do feriado, e encerrou cotado a R$ 5,48. Em 2024, a divisa acumula alta de 12,9%.

O repasse é sempre mais modesto que o aumento, para não afetar as vendas, e costuma chegar ao consumidor final em 30 dias, afirma Claudio Zanão, presidente-executivo da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães eamp; Bolos Industrializados).

"Os aumentos pela disparada do dólar podem ser de 3% a 5%, dependendo do estoque e do mercado daquele segmento. Quem tem mercadoria pode segurar para vender mais, mas se o fabricante está em uma situação de caixa difícil, não tem muita saída."

Ele pondera que neste momento o câmbio ainda não é um problema para as indústrias maiores, que têm estoque de trigo para até 90 dias. Mas a volatilidade da moeda preocupa.

A desvalorização do real já vem ocorrendo há algum tempo e reflete um cenário externo de maiores incertezas, em função da gestão dos juros norte-americanos e do rumo das eleições nos Estados Unidos.

Internamente, nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou de atacar em eventos públicos o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o atual nível da taxa básica de juros e o mercado financeiro. Além disso, Lula voltou a defender o equilíbrio fiscal.

"O incêndio começou a ser apagado e os juros futuros recuaram. Mas, as expectativas, no caso do IPCA, apontam que a inflação esperada em 2024 é maior do era no início do ano, mesmo considerando-se uma inflexão na política monetária", diz o economista da CNC.

Segundo Felipe Queiroz, economista-chefe da Apas (Associação Paulista de Supermercados), o setor ainda não vê uma pressão da escalada do dólar nos preços para o consumidor, por se tratar de um movimento relativamente recente.

"Em casos específicos, como o do azeite, o fator que mais pesa sobre os preços é a quebra de safra causada por questões climáticas nas regiões da bacia do Mediterrâneo, especialmente o Alentejo português e a Andaluzia, na Espanha. O preço já tinha disparado e dificilmente vai cair em breve."

Queiroz ressalta, no entanto, que a inflação dos alimentos seguirá pressionada por outros fatores emdash;como as enchentes de maio no Rio Grande do Sul, e outro risco do fenômeno La Niña. "A produção agrícola está mais afetada do que no último ano, especialmente no caso do arroz do Rio Grande do Sul."

Para os combustíveis, como gasolina, etanol e GNV (gás natural veicular), os impactos do dólar estimados pela CNC seriam, respectivamente, de 2,1%, 4,2% e 4,7%,a depender dos reajustes feitos pela Petrobras.

Na segunda-feira (8), a estatal anunciou aumentos nos preços da gasolina e do gás de botijão, em resposta à alta das cotações internacionais do petróleo e à desvalorização cambial.

Para Sergio Araujo, presidente-executivo da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), nos estados onde o produto importado predomina o preço vai ser maior. "A gasolina no Norte e Nordeste deve ficar mais cara do que nas regiões que têm mais refinarias da Petrobras (Sudeste e Sul)."

Outros setores da economia também têm manifestado atenção com a alta do câmbio.

O de viagens é um dos mais preocupados. Segundo a presidente do Conselho da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), Ana Carolina Medeiros, a alta do dólar tem efeito quase imediato, especialmente nas viagens internacionais.

"Muitos brasileiros reconsideram seus planos de viagens ao exterior, o que resulta em uma redução na procura por esses destinos. Estamos observando um aumento na demanda por viagens nacionais como alternativa."

Na avaliação dela, os destinos mais afetados são Estados Unidos e Europa.

"As tarifas das companhias aéreas internacionais são, em sua maioria, em dólar, assim como boa parte dos custos das companhias brasileiras. Já no caso das hospedagens, pode haver um pequeno atraso."

O mesmo problema é percebido nas viagens corporativas, diz Humberto Machado, diretor-executivo da Abracorp (que representa as agências desse segmento). Em maio, pelo dado mais recente, a queda nas viagens internacionais foi de 14%, na comparação com o mesmo mês de 2023.

"Infelizmente o dólar não ajuda neste sentido. Se comprarmos com 2019, antes da pandemia, a procura por viagens internacionais está 33% menor", diz.

Em nota, a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) ressalta que aproximadamente 60% dos custos operacionais das empresas aéreas brasileiras estão atrelados ao câmbio da moeda americana, como, por exemplo, combustível, manutenção, aluguel de aeronaves, entre outros.

Em relação aos efeitos sobre os preços das passagens aéreas, a entidade aponta que eles são dinâmicos e a composição de uma tarifa aérea considera, além dos custos operacionais, diversos elementos, como taxa de ocupação do voo, demanda por trecho e antecedência da compra em relação à viagem.

Segundo o presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), Humberto Barbato, as empresas vão evitar mexer nos preços, mas o câmbio afeta mais o setor eletrônico, principalmente em computadores e celulares.

"É natural que o empresário reajuste se perceber que a tendência é de dólar mais alto. As empresas trabalham com baixos estoques e costumam esperar de 15 a 30 dias para decidir."

Para os calçadistas, o principal problema é a falta de previsibilidade para fechar negócios, já que os produtos são vendidos por coleção.

"Em maio, teve a feira primavera-verão e começam a fazer as entregas para o varejo. Qualquer insumo, como o couro, que tenha uma variação por causa do dólar vai pesar para a indústria, que sacrifica a margem de lucro e repassa parte do custo para a próxima coleção. Para o consumidor, a conta demora de três a seis meses para chegar."

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

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