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A pressão global para que a redução das emissões de CO2 inclua um acordo tácito para frear novos projetos de exploração de petróleo pode atrapalhar a ambição do Brasil de liderar a agenda climática global, afirmam analistas. O movimento para travar a fronteira de abertura de novos poços nasceu com cientistas e ambientalistas, mas ganhou impulso fora dessa bolha após a Agência Internacional de Energia (AIE) publicar um relatório sobre o tema há dois anos, que começa a ter influência concreta agora.

O documento apontou que os projetos de exploração e consumo de petróleo, gás e carvão existentes até 2021 já emitirão em sua vida útil mais gases-estufa do que a meta do Acordo de Paris para o clima suporta. O tratado busca frear o aumento do aquecimento global abaixo de 1,5°C.

Em um artigo na revista Science neste mês, um grupo de pesquisadores defende uma eldquo;norma socialerdquo; global para frear novos projetos de produção e consumo de energia fóssil. O trabalho, liderado pelo cientista social e economista Fergus Green, do University College de Londres, argumenta que o custo político e financeiro de fechar projetos de exploração já existentes é muito alto, e o planeta precisa frear os novos poços para reduzir o preço e a viabilidade da transição energética para fontes renováveis, como a eólica e a solar.

A Petrobras, com cerca de 3% da produção global de óleo e gás hoje, não é considerada ainda um dos maiores entraves para o corte de emissões no mundo. Mas no contexto dos novos planos de exploração, sobretudo na margem equatorial do país, o peso global da empresa pode aumentar.

Ambiguidade de sinais

Como o principal foco de emissão do país hoje ainda é o desmatamento, e a destruição da Amazônia foi freada em 22% em 2023, o Brasil retomou boa parte da influência que tinha no passado na agenda ambiental e caminha para cumprir com alguma folga em 2025 sua contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês).

Um aumento acentuado na produção nacional de petróleo no futuro, porém, pode perturbar o cenário global, ainda que esse óleo seja exportado e entre na conta da NDC de outros países. Se todos os países com ambição de ampliar produção reivindicarem o direto de fazê-lo, diz Green, a conta do Acordo de Paris não fecha.

emdash; Nós argumentamos que os países que aspiram ser líderes climáticos e já endossaram e reafirmaram seu compromisso com a meta de 1,5°C, como o presidente Lula e o Brasil, deveriam estar indo além de cuidar das emissões domésticas e cumprir suas NDCs emdash; disse ao GLOBO.

O cientista aponta que a ideia de um compromisso ético de frear novos campos de exploração de combustíveis fósseis já começou a tomar corpo na forma de acordos diplomáticos como as coalizões Beyond Oil and Gas Alliance (Boga) e Power Past Coal Alliance (PPCA). A Boga reúne em sua composição 20 países (incluindo França, Suécia, Espanha e Colômbia) e 4 governos subnacionais (incluindo a Califórnia, nos EUA) que assinaram promessa voluntária para desescalar a exploração de petróleo e gás. Já a PPCA agrupa 60 nações que assumiram prazo para zerar produção e consumo de carvão. O Brasil não aderiu a nenhuma das duas alianças.

Segundo Cristiano Vilardo, doutor em Planejamento Energético pela Coppe-UFRJ e analista do Ibama, o debate interno sobre a expansão de campos de petróleo gira muito em torno da questão de segurança energética, mas os argumentos sobre projeções futuras não são consensuais.

emdash; A gente já tem contratado só com o pipeline de projetos do Pré-Sal um crescimento bastante significativo, saltando de 3 milhões de barris por dia para 5 milhões por dia no final da década, sendo que a previsão do consumo deve ficar abaixo de 2,8 milhões.

O argumento de que o país pode exportar óleo e usar receita para o desenvolvimento, diz, é também um ruído no debate. Paira sobre essa proposta a dúvida sobre quanto o Pré-Sal contribuiu para o índice de desenvolvimento humano no Brasil.

O petróleo, ele diz, prejudica a ambição de liderança do país a pouco mais de um ano da COP30, a Conferência do Clima de Belém, em 2025.

emdash; Existe uma ambiguidade de sinais do governo brasileiro, que está ao mesmo tempo adorando o deus do protagonismo climático e o deus que quer explorar a última gota de petróleo do mundo emdash; diz Vilardo.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirma que o tema da transição energética está contemplado na estratégia do atual governo.

eldquo;Há décadas a comunidade científica alerta e cobra lideranças políticas e empresariais sobre a necessidade de ação urgenteerdquo;, afirmou o MMA em nota, ressaltando que signatários do acordo se comprometeram em eldquo;duplicar a eficiência energética, triplicar a capacidade de energias renováveis e realizar a transição para o fim do uso de combustíveis fósseiserdquo;.

Margem de manobra

Ainda é difícil responder em que ritmo o Brasil pode abrir mão do petróleo. Alguns especialistas, apesar do Pré-Sal, hesitam em dar por certo que a produção já contratada vai atender à demanda futura.

Mahatma Ramos dos Santos, diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), diz que existe margem de manobra para que o Brasil encaixe o óleo de novos campos na lacuna da queda de produtividade prevista para o Pré-Sal a partir de 2030. Mas ele afirma que a cota de investimento da empresa em renováveis ainda é tímida.

emdash; A média de investimento das empresas de óleo e gás em novas rotas tecnológicas está abaixo de 20% no mundo, e precisa aumentar emdash; diz. emdash; O previsto para este ano na Petrobras é equivalente a 6% do investimento total, abaixo da média internacional.

A Petrobras argumenta que uma norma geral contra novos projetos fósseis ignora potenciais vantagens. eldquo;Por exemplo, ativos existentes podem operar com altas emissões e ativos novos podem ser mais competitivos dos pontos de vista econômico e ambientalerdquo;, disse a empresa, em nota.

O artigo de Green, além disso, não detalha diferenças regionais. eldquo;Os próprios cenários da AIE apontam um crescimento no fornecimento de petróleo da América Latina e, em particular, do Brasil até meados da década de 2030erdquo;, afirma o comunicado da Petrobras.

A despeito da pressão ambientalista e acadêmica, o conflito que levou à queda de Jean Paul Prates e à nomeação de Magda Chambriard como presidente da empresa teve mais a ver com a demanda de acionistas minoritários para obter dividendos do que com o ingresso lento nas energias renováveis. Mas há uma relação entre as duas coisas.

emdash; O maior desafio é o interesse financeiro de curto prazo dos acionistas. Não dá para fazer transição energética e pagar altos dividendos emdash; diz Santos.

Segundo Green, esse tipo de embate afeta outras empresas do setor no mundo. No caso do Brasil, porém, o governo tem controle acionário e com vontade política pode acelerar a transição.

emdash; Governos deveriam adotar visão mais de longo prazo e conduzir suas empresas de combustível fóssil em linha com o interesse público, o que inclui manter o planeta habitável e abaixo do limite de 1,5°C emdash; diz.

Fonte/Veículo: O Globo

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