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A ampola que circula de mão em mão no escritório da Porsche no Brasil guarda um líquido transparente que lembra etanol. Ao abri-la, o que se sente é um cheiro similar a querosene. Não se trata nem de uma coisa nem de outra. É gasolina.
Não aquela vendida nos postos, de origem fóssil. É sua versão sintética, desenvolvida pela montadora alemã por meio de parcerias.
A Porsche acredita que ali está a solução para que 1,3 bilhão de carros continuem a circular de forma sustentável emdash;pelo menos do ponto de vista da emissão de CO2.
A conta considera grande parte da frota circulante global de carros equipados com motor de combustão interna. São veículos que continuarão na ativa enquanto ocorre a transição para veículos elétricos, que segue ritmos diferentes mundo afora.
Alguns milhares de litros já foram produzidos em Punta Arenas, no Chile. Com ventos abundantes, é o local perfeito para se aproveitar a energia eólica e movimentar todo o processo da forma menos poluente possível. Ter uma fonte limpa é fundamental para neutralizar as emissões de carbono.
A matéria-prima vem do ar. O próprio CO2 é combinado ao hidrogênio emdash;que, por sua vez, é retirado da molécula da água por meio da eletrólise.
Essa água vem do oceano. Tem-se aí mais um processo, a dessalinização. Essa indústria em ascensão tem movimentado a economia daquele pedaço do Chile, próximo ao Estreito de Magalhães.
A combinação de CO2 e hidrogênio resulta em metanol. Após processado, esse composto é transformado em uma gasolina sintética com as mesmas características da disponível nos postos europeus emdash;incluindo a adição de 10% de etanol anidro.
De fato, não há qualquer diferença de funcionamento de um carro abastecido com a gasolina sintética. Foi possível comprovar isso em um teste curto pelas ruas próximas à sede da Porsche, no Brooklin (zona sul de São Paulo).
O objetivo era levar o carro para as medições de desempenho e consumo feitas pelo Instituto Mauá de Tecnologia em parceria com a Folha.
As negociações para o teste, contudo, não avançaram. A montadora alegou que o combustível ainda está em fase experimental, e que será aprimorado nos próximos meses.
O carro cedido para a avaliação urbana foi um cupê 911 Carrera T (R$ 880 mil), versão intermediária da linha. Trata-se de um carro regular de produção, homologado para rodar no Brasil.
No trajeto curto em meio ao trânsito pesado, o funcionamento foi normal, sem oscilações de rotação em marcha lenta. No fim, o computador de bordo marcou a média de 4,3 km/l.
Por causa das condições do tráfego e das características do veículo emdash;um esportivo com motor boxer de seis cilindros e 385 cv de potênciaemdash;, o consumo ficou dentro do esperado.
A Porsche chama seu combustível de e-fuel. A empresa pretende aumentar a escala de produção de forma acelerada nos próximos anos, passando dos 130 mil litros atuais para 55 milhões de litros por ano até o fim desta década. No longo prazo, a empresa quer chegar aos 550 milhões de litros/ano.
Caso estivesse pronta para ser comercializada e chegasse aos postos brasileiros, o preço ficaria por volta de R$ 25. O valor considera os impostos que incidem sobre o combustível no país.
Na segunda semana de abril, o preço médio da gasolina comum no Brasil era de R$ 5,78, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
O ganho de escala tende a reduzir o preço, e os motoristas não terão de se preocupar com adaptações mecânicas para que seus carros funcionem.
É viável produzir a gasolina sintética em qualquer lugar do mundo que ofereça energia limpa, segundo a Porsche. O Brasil está entre as possibilidades, inclusive aproveitando a força dos ventos. Os parques eólicos offshore em desenvolvimento fortalecem essa possibilidade.
Mas os ganhos ambientais, por enquanto, se resumem à neutralidade do CO2. Um motor abastecido com e-fuel pode emitir a mesma quantidade de poluentes de quando usa gasolina de origem fóssil.
Essa característica pode mudar com o tempo e a evolução da e-fuel, segundo a Porsche. O objetivo é desenvolver também combustível para aviação e transporte marítimo.
E, sim, as vantagens da gasolina sintética são muito semelhantes às oferecidas pelo etanol encontrado nos postos brasileiros. Enquanto um combustível tira CO2 da atmosfera por meio de engenharia de ponta, o outro aproveita o processo de fotossíntese das plantações de cana-de-açúcar.
Fonte/Veículo: Folha de São Paulo
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