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Os chineses dominaram os carros elétricos porque foram mais rápidos e "pularam na frente", enquanto a maioria dos países "ainda estava discutindo se eletromobilidade iria crescer ou não", mas o Brasil tem oportunidade de assumir protagonismo, desde que supere a lentidão.

É assim que Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford na América do Sul, avalia a posição brasileira na corrida pela eletrificação.

A presença dos minerais favorece a competitividade brasileira, mas faltam políticas claras, que impulsionem o beneficiamento e a industrialização, para consolidar o país no desenvolvimento da tecnologia de baterias, diz ele.

"O Canadá, por exemplo, tem muito lítio. Eles estão desenvolvendo políticas para atrair produtores de baterias e peças para industrializar o lítio deles. Cada um está procurando seu espaço. O problema é que tudo isso acontece em velocidade grande. E nós, apesar de termos o benefício de todos esses minerais, estamos com velocidade lenta", afirma.

  • O Brasil é considerado um país com potencial de ser um hub de tecnologias de veículos elétricos porque tem matéria-prima para bateria, engenharia qualificada, parque industrial e mercado consumidor grande. Mas quais são as armadilhas?

O primeiro grande desafio é a velocidade da inovação, não só nos veículos de modo geral mas também em bateria. Para sermos competitivos, temos de ser mais rápidos. E precisamos nos preparar, porque a grande tecnologia está nos minerais da eletromobilidade.

O Brasil tem o desafio de criar essa cadeia de valor, desde a extração até o beneficiamento e a industrialização desses minerais.

O Brasil tem lítio, manganês, cobre, tem todos. Poucos países têm todos. Essa é a nossa vantagem.

Porém, a tecnologia de beneficiamento e industrialização para baterias e motores elétricos tem um nível de inteligência agregada e tecnologia maior. O desafio é não apenas exportar esses minerais mas agregar valor.

Hoje, um dos grandes problemas da indústria brasileira não é só a redução significativa da participação da indústria no PIB, mas principalmente a redução do nível de intensidade tecnológica do que é feito aqui, ou seja, cada vez menos tecnologia existe no que estamos produzindo na indústria.

E o processo da eletrificação é uma oportunidade para aumentar a participação da indústria no PIB e elevar a intensidade tecnológica do que estamos produzindo aqui.

  • As montadoras europeias, americanas e japonesas têm mais dificuldade que as chinesas? O que as companhias não chinesas podem fazer para competir com eles e ter um veículo elétrico tão acessível quanto o deles?

A grande vitória chinesa foi sair na frente e apostar na eletromobilidade. Enquanto a maior parte dos países estavam discutindo se a eletromobilidade iria crescer ou não, os chineses pularam na frente.

E, com o mercado gigante que eles têm, iniciaram o processo de eletromobilidade rapidamente. Ao sair na frente, dominaram a tecnologia.

Com isso, eles criaram uma dependência. Então, se você quer fazer carro elétrico hoje no mundo, você tem que comprar elementos e baterias chinesas. A maior parte delas. Ou fazer uma associação para produzir usando a tecnologia chinesa.

Ao mesmo tempo, quando você olha a nível global, isso é um desafio para as empresas que estão fazendo grandes investimentos, porque você vai fazer um grande investimento dependendo de uma fonte única.

Muitas vezes, essa fonte está distante do país. Muitas vezes, você tem questões geopolíticas como tensão de guerra, pandemia.

Então, a diversidade de fonte de suprimento é algo que preocupa a indústria hoje no mundo. Aí é onde o Brasil também tem uma oportunidade, por ter os minerais. E por existir essa necessidade de diferentes fontes de suprimentos.

  • Esse domínio da China no beneficiamento dos minerais não pode vir a atrapalhar os investimentos de eletromobilidade aqui no Brasil?

Depende da maneira como se enxerga isso. Se eu tenho os minerais e uma política clara de utilização, beneficiamento e industrialização desses minerais aqui no Brasil, no início pode ter um risco, mas depois pode ser a alternativa para que as empresas não dependam só da China. Nós temos essa oportunidade.

  • Que tipo de política o Brasil poderia criar para ajudar nisso?

A primeira coisa é entender o seguinte: independentemente de o veículo ser híbrido, híbrido flex, híbrido plug-in ou totalmente elétrico, essa tecnologia é necessária. Os minerais são necessários.

Então, é investir nos minerais da eletromobilidade. Eles são um aliado da visão da utilização do etanol no Brasil. Não há um conflito. Há uma associação.

Essa política tem que garantir um marco regulatório para você poder extrair os minerais e criar incentivos para que você não exporte simplesmente o mineral, mas eleve o nível de industrialização através do beneficiamento, iniciando por elementos de bateria e depois evoluindo para uma bateria.

É importante ter uma política governamental clara, com objetivo claro, fases bem definidas e incentivos em aspectos em que nós não somos tão competitivos neste momento.

  • Dar subsídio para quem produzir no Brasil e restringir a entrada de peças importadas? É isso?

Não. Não é questão de restringir. É dividir o fornecimento. É você também participar do fornecimento.

Nós não vamos chegar a um nível de beneficiamento e produção de baterias, que é o fim da linha, com a China rapidamente. Precisamos iniciar esse processo com fases em que eu possa atingir e complementar com aquilo que eu não tenho. Esse é o segredo.

Você inicia o processo importando e, gradualmente, vai localizando e agregando valor. Isso é hoje a regra no mundo.

O nível tecnológico do automóvel está crescendo muito. Os níveis de produção local já estão mais divididos. Vários países são especializados em alguma coisa, um na conectividade, outro na bateria.

A indústria automotiva não é mais como antigamente, em que você fazia 90% do carro local. Hoje, você tem que escolher onde você pode ser competitivo, tanto em custo da produção como no processo de inovação constante.

Vamos escolher o pedaço em que somos competitivos. E, como nós temos os minerais, essa é uma área em que podemos atuar.

  • Isso não é um desafio só do Brasil, como vai nos outros países?

O desafio é diferente dependendo das vantagens competitivas e comparativas de cada país. Por exemplo, o Canadá tem muito lítio. Eles estão desenvolvendo políticas para atrair produtores de baterias e peças para poder industrializar o lítio deles.

Quem não tem lítio vai trabalhar em outra coisa. Cada um está procurando o seu espaço. O problema é que tudo isso acontece em velocidade grande. E nós, apesar de termos o benefício de todos esses minerais, estamos com velocidade muito lenta.

Não que não tenha iniciativas e gente já trabalhando nisso com sucesso, mas, quando se compara com outros países, ainda estamos devagar em relação ao que acontece no mundo.

  • E como a Ford está atuando nisso no Brasil? A montadora tem uma equipe trabalhando em engenharia aqui?

Nós mudamos o nosso modelo de negócio no Brasil e temos um centro de desenvolvimento de engenharia e tecnologia com mais de 1.600 especialistas. Trabalham na estrutura global de desenvolvimento em projetos para futuros produtos.

No mundo, a demanda por novos projetos de desenvolvimento de tecnologia da mobilidade cresceu vertiginosamente. Nós aqui no Brasil somos competitivos e exportamos esse serviço.

Por estar participando desses projetos que vão acontecer em 2030, 2032 ou 2035, a gente consegue ver a dinâmica de outros países e ter uma visão antecipada dos produtos e empregos que serão necessários lá na frente.

  • Ainda há muito o que evoluir em tecnologia de bateria?

Sem dúvida. De bateria e do veículo também. A Ford inaugurou um túnel de vento para testar veículos com vento de até 350 km/h. Isso porque um dos grandes desafios do carro elétrico é a aerodinâmica.

Quanto maior a velocidade, maior é a restrição do ar, o arrasto emdash;o que drena a bateria. Por isso, os novos carros elétricos vão ser muito sofisticados do ponto de vista aerodinâmico. Não só na superfície superior mas também pelo ar que passa por baixo do carro.

  • Se ainda há tanta tecnologia para evoluir, não é melhor o consumidor ficar esperando amadurecer o carro elétrico para depois comprar?

Você não fica esperando amadurecer a tecnologia do celular para comprar um novo porque ela já está testada. Os carros já são atualizados, como o celular.

De tempos em tempos, ele fica mais esperto e traz itens interessantes. Não é mais como antigamente, em que você comprava o carro e era uma peça monolítica que não mudava nada. Hoje, o software está sempre sendo atualizado, como o celular.

  • A Ford, há alguns anos, tirou sua produção do Brasil, mas o país continua sendo o principal mercado de alguns de seus produtos. Há alguma chance de, no futuro, nesse contexto de eletromobilidade, a montadora voltar a produzir aqui?

A primeira coisa que eu preciso deixar claro é que não existe plano para isso. Não temos planos de voltar a produzir no Brasil. Mas eu não tenho dúvida de que, à medida que o nível de tecnologia de eletrificação crescer, nós vamos estar avaliando, sem dúvida, a produção local. Mas no momento não há planos.

O nosso foco é um carro cada vez mais tecnológico, mais eletrificado e conectado. Toda a nossa linha é conectada, e eu acho que, à medida que o Brasil evoluir nessa direção, as oportunidades vão aparecer, sim.

  • Recentemente, o presidente mundial da Ford anunciou uma mudança de estratégia para carros pequenos e mais baratos, na tentativa de conter os prejuízos no mercado de elétricos. Como isso se traduz no mercado brasileiro?

O que aconteceu foi que, ao longo do processo de eletrificação, nós percebemos uma desaceleração do crescimento do elétrico e uma aceleração dos veículos híbridos, não tão relacionados ao tamanho especificamente, mas à propulsão.

Os elétricos continuam crescendo significativamente, mas menos do que se esperava, e os híbridos começaram a crescer mais aceleradamente. Então, foi feito um ajuste para colocar todo o setor produtivo da Ford em linha com essa demanda do mercado em que os híbridos estão crescendo.

Nos Estados Unidos, no segmento de picapes híbridas, a Ford tem 75% desse mercado. Então, foi mais um ajuste no nível de propulsão do que qualquer outra coisa.

A estratégia da Ford lá fora e aqui é muito similar. Temos foco em três pilares: SUVs, picapes e vans, que são os furgões e ônibus que andam na cidade e entregam o chamado last mile e compras online.

Na nossa visão, a gente oferece veículos a combustão interna, veículos híbridos e veículos elétricos para que o consumidor escolha qual propulsão é melhor para ele.

Fonte/Veículo: Folha de São Paulo

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