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O Parque de Bioenergia Costa Pinto, em Piracicaba, é onde fica instalada a primeira usina de etanol da família Ometto. As primeiras instalações do que viria a se tornar um dos maiores conglomerados de energia do País seguem em funcionamento, agora parte da Raízen, originada na joint venture entre Cosan e Shell. Mas não é por causa do histórico que visitantes de diferentes partes do mundo chegavam diariamente ao local em 2023. O interesse estava nos altos tanques brancos que ficam no fundo da propriedade e armazenam a primeira produção mundial de etanol de segunda geração em escala industrial.
O etanol de primeira geração é produzido a partir do caldo da cana-de-açúcar, enquanto o de segunda geração é produzido a partir do bagaço da cana. eldquo;Isso significa produzir 50% a mais de etanol com a mesma área cultivada e um etanol com pegada de carbono 30% menor do que o de primeira geraçãoerdquo;, afirma Fabiana Barrocal, diretora de Operações Agroindustriais da Raízen.
A empresa já anunciou que pretende construir 20 usinas de etanol de segunda geração, em um investimento que demandará, ao todo, R$ 24 bilhões endash; duas delas já estão prontas. Dessas usinas, nove já tiveram a produção dos dez primeiros anos vendidas.
O etanol de segunda geração endash; ou E2G, como é conhecido endash; é um dos combustíveis sustentáveis em desenvolvimento ao redor do mundo. Produzido a partir do bagaço que seria descartado na produção de açúcar e de etanol convencional, ele pode ser usado como combustível para carros, no lugar da gasolina e do diesel; de maneira industrial, para produção de plástico, por exemplo; ou para combustível marítimo e de aviação.
O Brasil é um dos países com grande potencial em combustíveis sustentáveis, devido à sua experiência com o etanol, ao desenvolvimento do agronegócio e à oferta de matérias-primas. Segundo a consultoria McKinsey, a demanda por biomassa, matéria orgânica vegetal ou animal capaz de gerar os biocombustíveis, no mundo deve aumentar dez vezes até 2050. No Brasil, esse mercado potencial pode significar quase US$ 40 bilhões (R$ 200 bilhões) até 2040.
eldquo;A gente já é visto como um elsquo;playerersquo; consagrado na áreaerdquo;, diz Amanda Duarte Gondim, coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Sustentáveis para Aviação (RBQAV).
O que está em pauta agora, explica Gondim, é o uso de biocombustíveis para o transporte marítimo e aéreo, em que a eletrificação (uso de baterias) é mais difícil dado o volume de energia que demandam. Nesses modais, a substituição de tecnologia também costuma ocorrer em intervalos de tempo maiores. Como o mundo não pode esperar 30 anos por aviões que não poluem, é preciso trocar o combustível fóssil por um que emita menos gases poluentes.
Carolina Grassi, do Roundtable on Sustainable Biomaterials (RBS, uma certificadora de combustíveis sustentáveis), vê no Brasil o potencial de se transformar em um líder na oferta de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), dada a capacidade do País de produzir matérias-primas e o conhecimento na indústria de biocombustível. O SAF pode ser feito a partir de óleos vegetais e animais, como dendê, milho e soja endash; daí a oportunidade do Brasil.
Grassi pondera, no entanto, que o custo de fabricação e a falta de capital para investimento, além da sustentabilidade ambiental da produção das matérias-primas, são desafios que o País terá de enfrentar.
Segundo ela, empresas de transporte marítimo também começam a se movimentar para trocar seus combustíveis por outros com menor impacto ambiental. Esse setor, no entanto, não avançou tanto nas discussões como o aéreo. A tendência é que definam uma regulamentação semelhante ao Corsia (programa de redução das emissões elaborado pela Organização da Aviação Civil Internacional). Quando isso estiver definido, o mercado que o Brasil poderá atender com seus combustíveis tende a crescer.
Na planta da Raízen, o E2G surge como uma alternativa para expandir a produção de etanol e com menos emissão de carbono. Neste ano, a empresa fez a primeira exportação de etanol para os Estados Unidos para ser utilizado na produção de SAF.
A Raízen tem a patente da tecnologia do pré-tratamento do bagaço da cana para conversão em etanol de segunda geração. Nas salas de controle, fotos dos computadores onde estão os parâmetros do pré-tratamento não podem ser feitas.
eldquo;O pré-tratamento é o diferencial, é quanto conseguimos estabilizar, em escala industrial, antes de entrar no tratamento em sierdquo;, explica Fabiana Barrocal. eldquo;É o ponto chave desta planta, é o que ninguém consegue fazererdquo;, diz a funcionária. O eldquo;pré-tratamentoerdquo; é a etapa necessária para quebrar as fibras do bagaço da cana e acessar os açúcares que serão convertidos em etanol. O processo é feito de maneira química e em alta temperatura.
Depois da separação dos açúcares e da fermentação, o etanol de segunda geração vai para o processo de destilação junto ao de primeira geração. A molécula dos dois é a mesma, a diferença é a origem.
A planta, nascida em 2015, é mais automatizada do que a usina de etanol de primeira geração. Poucos funcionários circulam entre os tambores e tubos. Cerca de 90% do trabalho no etanol de segunda geração é automatizado e monitorado por câmeras.
A Raízen analisa o mercado de SAF e a possibilidade de produzir o combustível no Brasil. Segundo Paulo Neves, vice-presidente da empresa, a instalação de uma unidade de fabricação no País ainda depende de estudos de viabilidade. eldquo;Tem uma questão de escala e outra de competitividade. Os EUA têm uma linha de incentivo muito forte e, se formos ter uma planta aqui, ela precisa ter condições de competir com quem vai produzir láerdquo;, diz o executivo.
Por ora, o projeto da companhia é exportar etanol de segunda geração (E2G) para a Europa, onde ele é submetido a um outro processo para virar SAF.
Inicialmente, a Raízen pretendia vender o E2G como um substituto da gasolina ou do etanol tradicional. Diante da procura das companhias aéreas por combustíveis limpos, passou, então, a focar nesse mercado. Como o E2G é produzido a partir de resíduos da fabricação do etanol tradicional, ele não aumenta a necessidade de cultivo de cana endash; o que o torna altamente atraente sobretudo na Europa, onde são mal-vistos biocombustíveis cuja produção de matéria-prima disputa espaço com a de alimentos.
eldquo;Desenvolvemos o etanol de segunda geração durante uma década e meia. Quatro anos atrás, quando começamos a trabalhar os primeiros acordos comerciais, o mercado principal era o de transporte veicular. A ideia de dar outros usos a eles amadureceu porque as indústrias de navios e aviões têm muita dificuldade de se eletrificar. Esses setores começaram a buscar outras opções de combustívelerdquo;, acrescenta Neves. Para o executivo, a necessidade de descarbonizar a economia vai elevar tanto a demanda por combustíveis limpos que tanto o etanol tradicional como o de segunda geração terão espaço no mercado.
Atraso
A despeito de figurar como um dos países com maior potencial no setor de biocombustíveis, o Brasil está atrasado no desenvolvimento dos combustíveis renováveis para aviação e navegação. Os Estados Unidos, por exemplo, começaram a liberar grandes volumes de recursos para pesquisas em 2008. Aqui, os primeiros estudos começaram em 2014, mas em menores proporções, diz Gondim.
Hoje, os EUA continuam impulsionando o setor com incentivos financeiros. Em 2022, o Inflation Reduction Act (IRA, na sigla em inglês, um pacote de medidas que inclui créditos fiscais e financiamento para projetos de energia verde) estabeleceu um subsídio de US$ 1,25 por galão (3,8 litros) de SAF quando o combustível reduz em pelos menos 50% a emissão de gases de efeito estufa.
Em todo o mundo, 120 aeroportos já trabalham com SAF, grande parte nos EUA e no norte da Europa. Na Ásia, Cingapura também está à frente.
O Brasil também fica atrás quando se analisa a infraestrutura necessária para produzir o combustível. Nos Estados Unidos, refinarias de petróleo estão sendo transformadas em biorrefinarias para produção de combustíveis como o SAF e biodiesel. O país tem 124 refinarias ativas e cinco paradas endash; parte delas pode ser convertida.
Como o Brasil tem apenas 18 refinarias, essa estratégia de adaptar as plantas fica mais complicada. O problema é que construí-las a partir do zero leva de cinco a seis anos, enquanto convertê-las pode ser feito em menos de um ano. eldquo;O Brasil pode chegar a ser um protagonista global nessa indústria. Mas temos uma data e precisamos correr atráserdquo;, diz Gondim.
O prazo a que ela se refere é 2027, ano em que, no caso do SAF e do setor aéreo, as companhias terão de reduzir suas emissões de gases poluentes em voos internacionais ou compensá-las comprando crédito de carbono. Se optarem por diminuir as emissões endash; a opção mais barata endash;, a única saída será o uso de SAF.
eldquo;O Brasil pode chegar a ser um protagonista global nessa indústria. Mas temos uma data e precisamos correr atráserdquo; - Amanda Duarte Gondim, Coordenadora RBQAV.
Também vice-presidente da Raízen, Paula Kovarsky destaca que, em comparação com os EUA, o Brasil demorou muito para criar uma política que incentive a produção de combustíveis limpos mais avançados, mas reconhece que essa agenda ganhou importância nos últimos seis meses.
eldquo;O setor está recebendo uma atenção que nunca recebeu na história e a coisa está acelerandoerdquo;, afirma o professor Gonçalo Pereira, do Instituto de Biologia da Unicamp.
Ele faz parte da condução de um programa que testa o agave como fonte de biomassa para produção de etanol. A vantagem é que a planta consegue se desenvolver no sertão nordestino. A Shell investiu R$ 100 milhões na pesquisa, que leva o nome de Brave (Brazilian Agave Ethanol). No segundo semestre, o pesquisador estima ter as primeiras colheitas capazes de alimentar plantas piloto para produção de etanol.
Pereira também cita como história promissora o investimento do Mubadala, o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, na Acelen, para a construção de uma planta de diesel verde (HVO) e SAF na Bahia.
eldquo;De dezembro para cá, a coisa evoluiu incrivelmente. Essas decisões da indústria automobilística, de priorizar o híbrido flex, são muito recentes. Na hora que tem demanda, a oferta vaierdquo;, afirma Pereira.
(Reportagem Especial, Era do clima)
Fonte/Veículo: O Estado de São Paulo
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