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Indicado pelo governo Lula (PT) para o conselho da Petrobras em meio à crise entre o comando da empresa, acionistas e ministros, Rafael Dubeux defende que o petróleo deve financiar a transição energética, mas faz ressalvas.

Segundo ele, "boa parte da transição é autofinanciável" e há "demandas sociais urgentes de curto prazo" a resolver, como saúde e educação. "É um desafio equilibrar todos esses fatores e encontrar a melhor solução", afirma.

Secretário-executivo-adjunto do Ministério da Fazenda, ele lidera o Plano de Transformação Ecológica do Brasil, que cria as diretrizes do desenvolvimento sustentável do país.

Dubeux conversou com a Folha no escritório da Fazenda, em São Paulo. Evitou falar sobre sua provável nova função na Petrobras, já que a nomeação ao cargo ainda precisa tramitar. Segundo ele, a distribuição de dividendos da empresa precisará em breve ter "solução definitiva".

A secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, disse que falta ao Brasil planejamento sobre o que fazer com o dinheiro do petróleo se o país continuar explorando. Essa também é sua preocupação?
Esse é um debate super-relevante que já foi feito lá atrás, na época da descoberta do pré-sal, com a criação do fundo social, e acho que em algum momento vai ter que se voltar ao assunto para discutir qual vai ser o arranjo do fundo social e das distribuições de royalties.

Precisamos discutir onde é que a gente vai alocar isso para garantir uma transição energética e ao mesmo tempo uma transição justa.

O Ministério de Minas e Energia chegou a preparar um projeto que foi levado em algum momento ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), criando um programa de transição energética, então esse é um debate que está colocado no governo.

E por que não avançou?
Acho que optaram por fazer a votação na outra reunião e essa reunião ainda não aconteceu. Mas o fato de não ter um plano formalmente aprovado com esse nome não quer dizer que o país não esteja fazendo um esforço de transição energética.

O sr. concorda com a ideia de utilizar dividendos extraordinários de empresas que exploram recursos naturais para financiar a transição energética, como propôs o ministro da Economia da Noruega no G20?
A Noruega] é um país desenvolvido que tem, de certa maneira, outras demandas sociais razoavelmente atendidas, e aí você pode focar o recurso quase que todo na transição energética.

O Brasil é um país em que a matriz energética já é comparativamente mais limpa do que a dos países ricos, e nós temos uma série de demandas sociais urgentes de curto prazo que a gente precisa endereçar, de saúde, de educação, de vários temas. Então é um desafio equilibrar todos esses fatores e encontrar a melhor solução.

Não há dúvida de que parte da transição precisa ser viabilizada com os combustíveis fósseis, que ainda têm um papel a cumprir por vários anos e, de alguma maneira, auxiliam a transição.

Se não for necessariamente em energia limpa, é às vezes viabilizando a adaptação à mudança do clima, mitigando os impactos causados pela própria emissão.

O recurso tem que ir todo para a transição energética? Acredito que não, até porque boa parte da transição energética é, por assim dizer, autofinanciável.

Essa alteração nos dividendos extraordinários teria que vir por lei?
A alteração é por meio de lei, está fixada em lei a distribuição. Eu não estou propondo isso. A lei que estabelece hoje a alíquota e os critérios de repartição [...]. É tema judicializado e em algum momento precisará ter solução definitiva.

Sua presença no conselho da Petrobras ajuda nesse cenário?
Eu fiquei muito honrado com o convite de participar do conselho da Petrobras, mas, por enquanto, há uma indicação do governo que está tramitando ainda pelas instâncias da Petrobras.

Vai ter ainda uma assembleia-geral, marcada para o final do mês, e, enquanto não há uma deliberação formal, prefiro não falar.

Qual é o real tamanho do plano de transformação ecológica do Brasil? Organizações dizem algo entre US$ 130 bilhões e US$ 160 bilhões anualmente.
Eu vi esse número recentemente, mas não fomos nós que divulgamos. Tem vários estudos sendo feitos sobre quanto de capital o conjunto das ações que estão sendo tomadas mobiliza. A grande maioria é de capital privado.

Os projetos de energia no Brasil param de pé sem nenhum apoio público adicional, como eólica, solar e biocombustíveis.

Em algumas áreas desses novos mercados promissores de longo prazo, existe uma discussão sobre se faz sentido ter algum tipo de subsídio, como é o caso do hidrogênio e de baixo carbono, mas isso não está colocado.

O grosso do recurso hoje no plano são medidas regulatórias para estimular e canalizar recursos privados para a descarbonização. Do que tem de recurso público propriamente é uma valor comparativamente menor; não tem um número exato.

O valor do plano inclui os investimentos feitos pelas próprias empresas? Não é como os planos dos EUA e da Europaehellip;
O nosso plano não é diretamente comparável com o dos EUA [...], são investimentos privados que você está estimulando com esse processo.

O mercado de carbono, por exemplo, é feito por investimento privado, já que você cria um sistema de incentivo que estimula uma siderúrgica ou uma indústria de cimento ou de vidro a descarbonizar o seu processo.

É uma medida regulatória, sem impacto orçamental. O espaço fiscal que a gente tem é exatamente o que está no arcabouço fiscal; não tem nenhum real além do que está fixado dentro dos limites.

Mas e os títulos lançados no exterior para esse financiamento?
Na emissão dos títulos e na alocação do Fundo Clima, que tem algum aporte público, é dinheiro para crédito. Vamos emprestar para as empresas, então não é orçamento de despesa.

A ideia é que se tenha US$ 2 bilhões todo ano e a gente vai alocando esses recursos no Fundo Clima para viabilizar o financiamento com a taxa competitiva.

Os investidores dizem que o país precisa focar poucas áreas se quiser ser competitivo. O governo federal já as selecionou?
Em termos de rotas tecnológicas para mobilidade e geração de eletricidade, existe uma disputa clara entre algumas delas e é possível que daqui a 10, 20 anos a gente veja que uma se mostrou muito superior às outras, mas hoje não é claro dizer quais vão prevalecer.

Em algumas áreas, o mercado tende a se afunilar naturalmente e em outras outras a gente tem feito um trabalho de mapeamento das cadeias de valor. Queremos identificar, dentro dessas cadeias de maior potencial, quais são aquelas em que o Brasil já tem alguma capacidade competitiva internacional.

Essas áreas já foram definidas?
Os grandes temas estão definidos. Vai envolver solar, eólica, hidrogênio e biocombustíveis. Agora, o mapeamento completo de quais ferramentas específicas serão usadas deve ser concluído neste mês.

Uma das ferramentas que a gente pretende avançar neste ano é o uso da encomenda tecnológica, que é o uso do poder de compra do Estado, não de conteúdo nacional, mas para desenvolver uma solução tecnológica que ainda não existe no mercado.

É possível imaginar daqui algumas décadas todos os países com uma frota eletrificada e apenas o Brasil com etanol, já que o combustível parece ser mais vantajoso para a cadeia produtiva brasileira?
Esse é um dos cenários possíveis. A própria indústria automotiva debate se faz sentido continuar produzindo um tipo de veículo que talvez não tenha acesso tão fácil em alguns mercados. Mas é muito difícil imaginar que o sul da Ásia, a África e a América Latina vão eletrificar na velocidade que a Europa pretende.

O potencial que o Brasil tem com o etanol e com o biodiesel coloca o Brasil em uma situação diferenciada internacionalmente.

Hoje mais ou menos 23% dos nossos combustíveis são provenientes de biocombustíveis, contra uma média mundial abaixo de 10%.

O uso de um carro a etanol aqui no Brasil já promove uma descarbonização praticamente equivalente ao uso de um carro elétrico na Europa, porque lá o carro elétrico é abastecido com combustíveis fósseis para gerar eletricidade. Mas o Brasil não fez uma escolha de uma solução única e cada empresa está fazendo sua avaliação segundo o seu mercado.

Por que o Brasil está demorando tanto para regular o mercado de carbono, as eólicas offshore, a produção de hidrogênio verde e outros projetos importantes nessa agenda?
O Legislativo tem uma dinâmica própria. No mês de janeiro o Legislativo está em recesso, em fevereiro e em março tem toda a discussão da recomposição das comissões e agora é o período de janela partidária. Isso tudo tem impacto na pauta de votações, mas a gente tem acompanhado todos esses temas de perto e os assuntos são prioridade do governo.

Às vezes as injunções políticas exigem segurar um mês ou dois, enquanto se busca a construção de um acordo político para viabilizar a votação.

Com muito poder político, o agro consegue escolher quais pautas ambientais ele adere e quais não. No mercado de carbono, os parlamentares deixaram o setor de fora. Essa resistência incomoda o governo?
Era uma oportunidade para o agro estar lá, mas foi uma opção da bancada no Senado e na Câmara, portanto não tem mais como mudar. Mas, dito isso, eu acho que não é um impacto grave para o mercado de carbono, nem de longe.

A gente olha outros mercados de carbono no mundo, quase nenhum deles inclui o agro.

O fato de o agro estar fora do mercado de carbono não quer dizer que ele está fora das políticas de descarbonização. Pelo contrário, tem várias políticas de descarbonização voltadas para o agro que continuam avançando.

Uma delas é o esforço de ampliar os critérios do plano ABC e fundi-lo, paulatinamente, ao plano Safra.

No ano passado, já houve um primeiro esforço nesse sentido de trazer critérios de sustentabilidade que possibilitam uma taxa de juros um pouco mais barata, como ter um CAR (Cadastro Ambiental Rural) validado.


Fonte/Veículo: Folha de S.Paulo

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