Novo mínimo e isenção maior do IR podem ter impacto fiscal de até R$ 37 bi, estimam analistas
As medidas anunciadas na quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um novo salário mínimo e do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR), devem ter um impacto fiscal entre R$ 23,8 bilhões e R$ 37 bilhões em 12 meses, segundo estimativas feitas a pedido do GLOBO. Os cálculos foram feitos considerando mudanças em todas as faixas do IR, a partir da mudança do valor da isenção.
Lula afirmou que o mínimo será reajustado para R$ 1.320 em maio, enquanto a faixa de isenção do IR passará a R$ 2.640 emdash; podendo, no futuro, atingir R$ 5 mil. Hoje, o mínimo é de R$ 1.302, e a faixa de isenção do IR está em R$ 1.903.
emdash; Está combinado com o ministro Haddad (Fernando Haddad, da Fazenda) que a gente vai em maio reajustar para R$ 1.320 e estabelecer uma nova regra para o salário mínimo, que a gente já tinha no meu primeiro mandato emdash; disse o presidente, em entrevista à CNN Brasil.
Sobre o IR, Lula afirmou que a ideia do governo é aumentar gradativamente a faixa de isenção, até alcançar R$ 5 mil.
A tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) não é reajustada desde 2015. No ano passado, com uma inflação de 5,79%, chegou à maior defasagem da história: 148,10%, segundo cálculos do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).
O Ministério da Fazenda, procurado, não deu detalhes sobre o aumento da faixa de isenção do IR, anunciado pelo presidente da República.
Analistas reconhecem que essas medidas reduzem o ônus, para os trabalhadores, da falta de reajuste da tabela do IR. Mas alertam que a faixa de isenção maior e o aumento real do salário mínimo custam bilhões aos cofres públicos e devem vir acompanhadas de medidas compensatórias, que visem o equilíbrio fiscal do governo no médio e longo prazos.
Nos cálculos da XP, o reajuste do salário mínimo deve impactar as contas públicas em R$ 5,2 bilhões este ano. Em 12 meses, esse impacto chegaria a R$ 7,8 bilhões. Já o aumento da faixa de isenção do IR teria um impacto de R$ 10 bilhões este ano e de R$ 16 bilhões no período de 12 meses. Ou seja, somadas, as medidas chegariam a R$ 23,8 bilhões.
Já nas estimativas da MCM Consultores, o reajuste do mínimo deverá custar R$ 4,7 bilhões de maio até dezembro, ou R$ 7 bilhões em 12 meses. E a mudança no IR custará outros R$ 25 bilhões este ano, ou R$ 30 bilhões em 12 meses. No total, um impacto fiscal de R$ 37 bilhões.
Tiago Sbardelotto, economista da XP, lembra que, do ponto de vista fiscal, o governo não tem muito espaço para realizar essas medidas, pois as contas públicas estão no campo deficitário. Ele pondera, no entanto, que a ausência de reajuste da tabela do IR equivale a uma elevação da alíquota ano a ano, ou seja, a tributação sobre a renda do trabalhador tem aumentado.
A pedido do GLOBO, a XP calculou que, em uma simulação gradual do aumento da faixa de isenção para até R$ 5 mil em 2026, a perda de arrecadação acumulada em quatro anos chegaria a R$ 470 bilhões.
Para Sbardelotto, o aumento da faixa de isenção do IR demanda medidas que compensem essa perda de arrecadação, como a tributação de lucros e dividendos, a criação de uma nova faixa de IR com alíquota mais elevada e a instituição de um limite para doações.
emdash; Se você reduz receita e aumenta despesa, não dá para dizer que não tem impacto. Por isso é preciso alguma forma de compensação emdash; afirma o economista da XP. emdash; Você deve reduzir o ônus do trabalho, mas é preciso que isso seja feito de forma ponderada.
Renan Martins, economista da MCM Consultores, no entanto, não vê problemas fiscais para o governo no curto prazo. Ele afirma que a arrecadação se mantém em uma eldquo;toada favorávelerdquo; e cita a meta de déficit primário e elevação do teto de gastos no ano passado.
emdash; O problema é que isso pode ser difícil no médio e longo prazos. Um aumento do salário muito acima da inflação e a correção gradual da faixa de isenção implicam uma trajetória de crescimento do déficit primário e elevação da dívida emdash; afirma Martins.
Segundo Martins, a segunda parte da discussão da reforma tributária, que diz respeito à renda, pode favorecer a acomodação dessas medidas. Mas ele avalia que as discussões só ocorram no fim do ano:
emdash; A gente espera que isso também seja discutido quando for apresentado o novo arcabouço fiscal. Até então, entendo que são medidas pontuais, mas que o governo deve dar continuidade a elas nos próximos anos. Vamos aguardar para ver como isso vai conversar com a proposta do novo arcabouço fiscal.
Em janeiro, o governo criou um grupo com ministérios para elaborar propostas para instituir uma política de reajuste do salário mínimo e seus instrumentos de gestão e monitoramento. O governo havia proposto o valor de R$ 1.320 ainda na transição. O principal impasse para a adoção do novo mínimo eram os gastos, estimados em R$ 7,7 bilhões.
Desde 2020, o piso nacional é ajustado apenas pela inflação, sem uma regra permanente. O aumento real (acima da inflação) do mínimo é uma promessa de campanha de Lula e uma das prioridades da nova gestão.
Isentar do IR os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil por mês era outra promessa de campanha do presidente. Mas, devido a seu custo elevado, técnicos do governo defendiam que esse novo passo só ocorresse junto a uma reforma tributária.