Risco de recessão global derruba preço do petróleo em julho
O receio de uma recessão mundial tem derrubado o preço do petróleo no mercado internacional, depois de o barril ter rondado os US$ 140 na primeira semana de março. Na quarta-feira, 6, os contratos para o óleo tipo Brent (referência para o Brasil) com entrega em setembro fecharam a US$ 100,69, queda de 2,02% no dia. No mês, a retração chega a 7,7%.
O petróleo em queda praticamente anulou a defasagem entre os preços dos combustíveis praticados nas refinarias no Brasil e os negociados no exterior. Segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o preço do litro do diesel estava ontem 3% acima da média internacional; no caso da gasolina, esse número era de 2%, puxado pela Refinaria de Mataripe, na Bahia, privatizada no fim do ano passado.
Enquanto os portos que servem de referência para a Petrobras tiveram a defasagem zerada, ou seja, alinhados com o preço externo, o porto de Aratu, na Bahia, estava ontem com o preço do diesel 7% acima do mercado internacional e a gasolina, 15%.
O movimento é um alento para a nova administração da Petrobras, empresa que ficou sob ataque do governo nos últimos meses por conta dos seguidos reajustes de preços da gasolina e do diesel no varejo.
Depois de trocar quatro vezes o comando da estatal, o presidente Jair Bolsonaro -- que disputa a reeleição -- afirmou no mês passado que é preciso mudar toda a diretoria para dar uma "nova dinâmica" à companhia.
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires afirma que a queda do petróleo é uma boa notícia para o governo, que no curto prazo não terá de pressionar a Petrobras para evitar novos reajustes de preços. Ele lembra, porém, que a valorização do dólar deve segurar possíveis reduções de preço para o consumidor.
"Se a guerra não trouxer eventos extraordinários e a recessão voltar, o petróleo pode ir para US$ 80 (o barril), nível pré-pandemia", afirma.
Segundo a ex-diretora de refino da Petrobras e conselheira do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP) Anelise Lara, ainda existe muita volatilidade no mercado e pelo menos no curto prazo o Brasil não deve sentir o impacto dessa queda. "Até porque a Petrobras não aumenta o preço imediatamente quando aumenta lá fora, e também não diminui. Ela prefere esperar para ver se esse rumo vai se manter", explica.
Projeções
A expectativa de recessão global surgiu após o aumento generalizado de juros nas principais economias, como forma de controlar a inflação. Esse movimento provocou a valorização do dólar.
Bancos como o Citi já projetam que o preço da commodity poderá chegar a US$ 65 por barril até o fim do ano, contrapondo previsões como a do JPMorgan, de que a cotação poderia atingir até US$ 300 por conta da guerra no Leste Europeu.
Para Anelise Lara, do IBP, uma recessão global generalizada, se confirmada, levará à retração das commodities de maneira geral, mas a dúvida é se isso ocorrerá por um período curto ou longo. No caso do petróleo, esse recuo na economia acontece em um momento em que os estoques estão historicamente baixos, algumas refinarias fecharam, e a oferta pode continuar não atendendo a demanda.
"São duas visões do mesmo problema. Do lado da economia, há a questão da inflação e da recessão. Do outro, há uma demanda alta e a produção (de petróleo) não está dando conta. No Brasil ainda tem o problema do dólar alto, mas se tiver uma queda significativa do preço do petróleo, vamos sentir sim a diferença de preço", explica.
Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim acrescenta que, apesar da queda do petróleo nos últimos dias, os derivados da commodity continuam em alta.
"Há fatores que jogam o preço para baixo e outros para cima, a gente ainda não sabe o que vai preponderar", diz ele. E completa: "Além disso, a valorização do dólar deixa o petróleo mais caro em outras moedas, como o real".
Tolmasquim considera que o mercado está muito especulativo, mas admite que se a queda do petróleo for relevante e sustentável, em algum momento chegará ao Brasil. "Mas tudo vai depender também do dólar, tem que ver qual vai ser o efeito líquido dessa conta."
Segundo ele, desde o início deste ano, o preço do petróleo era o fator predominante para as altas e baixas dos combustíveis nas refinarias, mas agora passou a ser a moeda norte-americana que, até pouco tempo, jogava a favor dos preços no Brasil.
Para o analista de investimentos da Mirae Asset, Pedro Galdi, o cenário também é de incerteza. "O que está muito agora é que o mercado está prevendo uma recessão global, e consequentemente se consome menos petróleo. Mas está caindo também porque o dólar se valorizou em relação a quase todas as moedas", diz.
Por outro lado, a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) resiste em aumentar a produção, a guerra na Ucrânia continua, prejudicando a oferta de gás para a Europa e na China os surtos de covid-19 têm promovido lockdowns.
Apesar de a queda do petróleo não se reverter imediatamente na redução de preços no Brasil, Galdi diz que ela é favorável para a Petrobras, que já teve três presidentes demitidos por aumentar os combustíveis. "Isso acaba ajudando a tirar um pouco da fumaça de cima da Petrobras, porque não vai precisar aumentar, e, quem sabe, pode até reduzir, mas tudo vai depender do dólar", afirma.
"Estamos na era da volatilidade e os mercados estão operando com muita especulação, não existe fundamento no curto prazo para queda (do petróleo) perto de 10% ao dia como estamos vendo", avalia Décio Oddone, presidente da Enauta e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Segundo Oddone, se não houver uma recessão forte como está se prevendo, os preços devem voltar a subir, porque o mercado da commodity está pressionado e haverá problema de oferta, elevando novamente os preços.
Ele lembra que os investimentos no setor se retraíram na pandemia e não voltaram, e o aumento das sanções à Rússia, se confirmado, vai levar novamente à escassez da commodity.
Comitê avalia nomes para conselho da Petrobras
O Comitê de Elegibilidade da Petrobras se reúne hoje para avaliar o currículo de parte dos indicados do governo para o conselho de administração da estatal. Essa análise escalonada pode postergar ainda mais a realização de nova assembleia de acionistas para ratificar a reformulação do colegiado.
Dos oito indicados, segundo fontes, o de Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro, número dois da Casa Civil, é considerado o caso "mais crítico", por exercer um cargo considerado político. Tanto a Lei das Estatais quanto a política interna da Petrobras proíbem ocupantes de cargos políticos no conselho de empresas de economia mista e capital aberto.
Outro nome que poderia trazer problemas, se analisado sob o ponto de vista da governança, é o do procurador-geral da Fazenda, Ricardo Soriano de Alencar, por uma questão de conflito de interesses, já que defende a União em disputas tributárias contra a estatal. A expectativa é de que os dois nomes não sejam avaliados hoje.