Insistência em nomes rejeitados para Petrobras é ataque à governança, dizem especialistas
A insistência do governo em eleger para o conselho da Petrobras nomes rejeitados por órgãos internos da companhia foi vista no mercado como mais um ataque à governança da estatal pelo governo Bolsonaro e será alvo de uma ação judicial movida por petroleiros. Advogados ouvidos pela Folha, porém, divergem sobre a possibilidade de reversão na Justiça. O caso é inédito desde a promulgação da Lei das Estatais e não há ainda jurisprudência. Nesta quinta-feira (21), a FUP (Federação Única dos Petroleiros) e a Anapetro, que representa petroleiros acionistas da Petrobras, anunciaram que vão à Justiça contra a decisão do governo e prometeram ainda representação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Eles questionam a insistência na eleição, para o conselho de administração da empresa, de Jhônatas Assunção e Ricardo Soriano, que tiveram seus nomes vetados pelo comitê interno que analisa indicações para a estatal e pelo próprio conselho. Assunção é o número dois do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e Soriano é o chefe da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Para o Comitê de Elegibilidade da estatal, suas nomeações gerariam conflito de interesses entre a empresa e o acionista controlador. A decisão do comitê foi anunciada na quinta-feira (14) e confirmada pelo conselho de administração na segunda (18). Nesta quarta (20), o MME (Ministério de Minas e Energia) anunciou que manteria as indicações, por não ver "o necessário amparo legal" para as vedações. O comitê é uma das ferramentas implantadas pela Lei das Estatais para reforçar a blindagem dessas empresas contra indicações políticas. A lei estabeleceu uma série de requisitos para nomeações e criou instâncias internas de controle para garantir seu cumprimento. No mercado financeiro, o atropelo do governo a essas regras reforça a percepção de risco sobre a Petrobras, que já vinha ganhando corpo com a onda de ataques do Planalto e de aliados à companhia e à Lei das Estatais. Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a insistência nos nomes enfraquece o arcabouço legal criado para proteger a estatal. "Os processos de governança fazem uma companhia, seja de capital misto ou não, mais forte." "O anúncio [do MME] pode reacender algumas das preocupações sobre governança que existiam antes das mudanças, que consideramos positivas, na governança da companhia e na legislação", escreveram os analistas Luiz Carvalho, Matheus Enfeldt e Tasso Vasconcellos, do UBS BB. Para o advogado Carlos Portugal Gouvêa, professor de Direito Comercial da USP e sócio do PGLaw, o governo corre risco de cometer ilegalidade ao insistir com os nomes, pois a lei é clara ao estabelecer critérios para indicações. Um deles proíbe a nomeação de titulares de cargos de direção ou assessoramento na administração pública, o que impediria a eleição de Assunção e Soriano. "A lei é explícita, fala: e#39;é vedadoe#39;", afirma, ressaltando que o objetivo é evitar que estatais atendam a interesses de governos. Para Marcelo Godke, professor do Insper, da Faap e do CEU Law School, a chance de reversão do quadro é pequena. "O parecer [do comitê de elegibilidade] deve ser levado em consideração, mas não é determinante", afirma. Godke acrescenta que o estatuto da Petrobras prevê arbitragem para debater esse tipo de tema, o que dificultaria ainda mais a possibilidade de obtenção de liminares que impeçam a eleição dos nomes. A assembleia marcada para o próximo dia 19 de agosto vai eleger 8 das 11 vagas do conselho e foi convocado pelo governo como parte de um esforço para ter um comando mais alinhado na companhia. Por isso, sua lista de oito indicados é formada majoritariamente por ocupantes de cargos públicos, o que não ocorria desde o governo Dilma. O Banco Clássico, maior acionista privado da empresa, indicou outros dois nomes para a disputa.