Redução de imposto da gasolina derruba resultados de usinas de etanol
A desoneração de impostos federais sobre os combustíveis, aprovada pelo governo Jair Bolsonaro, teve forte impacto sobre o resultado das usinas produtoras de cana-de-açúcar, que passaram a ser pressionadas pela competição com a gasolina mais barata. O setor tenta impedir nova prorrogação do benefício tributário, que vence no fim do mês, alegando que a medida tem impactos econômicos, ambientais e sociais e pode desincentivar investimentos em energia renovável, diferencial competitivo do Brasil na transição energética. Nesta quarta-feira (15), por exemplo, a Raízen reportou queda de 79% em seu lucro líquido ajustado do último trimestre de 2022, que foi de R$ 255,7 milhões. As erdas são atribuídas à redução na moagem de cana e ao desempenho de suas operações com combustíveis diante dos baixos preços. A empresa diz que conseguiu ampliar em 33% o volume de vendas de etanol de suas usinas para clientes externos e suas próprias operações, mas seu preço médio caiu 11,2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, para R$ 3.769 por metro cúbico. Afirmou ainda que "foi um mais um trimestre desafiador para a indústria de distribuição de combustíveis no Brasil" que ainda absorve efeitos das mudanças na tributação dos combustíveis sobre os preços da gasolina e, consequentemente, do etanol. Entre a primeira semana de fevereiro de 2022 e a primeira de fevereiro de 2023, o preço médio do etanol hidratado nos postos brasileiros caiu 36%, considerando a inflação do período, para R$ 3,82 por litro. Em abril, auge da entressafra e antes da desoneração, chegou a bater R$ 5,68, em valor corrigido pelo IPCA. A queda de preços poderia ser favorável às vendas. Mas, com a gasolina mais barata, o etanol perdeu competitividade e fechou 2022 com o menor consumo desde 2017, 15,5 bilhões de litros. Foi o terceiro ano seguido de queda. Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) mostram que hoje o etanol não leva vantagem sobre a gasolina nos postos em nenhum estado brasileiro, considerando que o biocombustível precisa custar até 65% do preço do concorrente para compensar menor autonomia. O mais próximo desse patamar é o Mato Grosso, com 67,2%. Em São Paulo, onde normalmente há vantagem, o percentual é de 74,7%. A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) considera que, se o percentual está entre 65% e 75%, não há vantagens nem desvantagens na escolha do combustível. Outra empresa que já divulgou balanço, a usina São Martinho reportou lucro líquido de R$ 429,7 milhões, queda de 38,3% em relação ao mesmo período de 2021, também citando a redução dos preços do etanol pelo impacto das medidas tributárias, aprovadas entre maio e agosto de 2022". A desoneração de impostos federais sobre os combustíveis foi aprovada pelo Congresso no fim de maio. Ao mesmo tempo, os estados foram obrigados a baixar o ICMS sobre a gasolina até o limite de 18%, o que pressionou ainda mais os preços. O benefício terminaria em dezembro de 2022, mas foi prorrogado por dois meses pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar pressão inflacionária e impactos à imagem do governo logo no início do mandato. Prevendo prorrogação, a Jalles Machado alterou sua estratégia e concentrou as vendas em etanol anidro, que é misturado à gasolina, comercializando grande parte de seu estoque entre outubro e dezembro. O volume de vendas foi 244% maior do que no mesmo trimestre do ano anterior, mas o preço médio do produto comercializado pela companhia caiu 25,4%, para R$ 3,02 por litro. O balanço da Jalles mostra um crescimento de 166% no lucro do último trimestre de 2022, para R$ 450,9 milhões, mas o resultado foi beneficiado por ganhos na aquisição da Santa Vitória Açúcar e Álcool. Sem considerar o efeito contábil, o lucro caiu 69%, para R$ 39,4 milhões. "A desoneração, como temos anunciado desde o ano passado, é trágica sobre a perspectiva econômica, ambiental e social", diz Evandro Gussi, diretor presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), que tenta impedir nova prorrogação dos benefícios. Ele ressalta que o impacto ambiental já foi mensurado: estudo do Observatório de Bioeconomia da FGV indica que a troca do etanol pela gasolina elevou em 6,52% as emissões de gases do efeito estufa no consumo de combustíveis leves no Brasil. Do ponto de vista social, argumenta, União e estados perdem recursos que poderiam ser destinados a educação e saúde para subsidiar um combustível fóssil. Ele diz ter expectativa de que o governo retome a cobrança ao fim do prazo estipulado.